Folha de S. Paulo


Deportados dos EUA, hondurenhos são assassinados em seu país de origem

Juan Carlos/Corbis
Menores de idade são apreendidos em Honduras sob suspeita de fazerem parte de gangue
Menores de idade são apreendidos em Honduras sob suspeita de fazerem parte de gangue

Quando o filho de 26 anos de Antonio Díaz, Oscar, foi sequestrado, espancado e abandonado como morto por membros de uma gangue, o hondurenho Antonio resolveu mandá-lo com seus três irmãos aos Estados Unidos, temendo que qualquer um deles pudesse se tornar a próxima vítima da onda crescente de violência no país.

"Eu os mandei embora para garantir a segurança deles", diz Díaz, sentado numa casa confortável de três quartos nos arredores de San Pedro Sula, onde ele é dono de uma frota de micro-ônibus. "Nossa situação econômica aqui não é ruim, mas eu não suportava a ideia de ver meus filhos sendo mortos."

Um ano e meio depois de Antonio ter pago a um coiote US$ 6.000 por cada um de seus filhos para fazerem a perigosa viagem por terra aos EUA como imigrantes não documentados, um dos rapazes, Ángel, foi deportado de volta a Honduras.

Sibylla Brodzinsky/Cortesia da família Diaz
Angel Díaz um dia antes de ser assassinado em Honduras
Angel Díaz um dia antes de ser assassinado em Honduras

Um mês mais tarde, ele estava morto, abatido a tiros em um dos ônibus de seu pai por suspeitos membros de uma gangue.

"Depois de ele ser mandado de volta para cá, eu sentia medo cada vez que ele saía de casa", conta Antonio, pedindo que seu nome verdadeiro não fosse usado, por medo de retaliações das gangues, conhecidas aqui como "maras". "E mataram Ángel, exatamente como eu temia."

A cada ano, centenas de milhares de hondurenhos, guatemaltecos e salvadorenhos fogem da pobreza e da violência em seus países, partindo em busca de uma vida melhor nos EUA. E a cada ano, dezenas de milhares de migrantes sem documentos são mandados de volta.

No ano fiscal de 2015, que terminou em setembro, 231 mil imigrantes ilegais nos EUA teriam sido deportados, segundo a Associated Press. Nos 12 meses que se encerraram em 27 de julho, 10.333 deles chegaram a Honduras.

Para deportados como Ángel, que abandonaram seu país por correrem risco de vida, o retorno para casa pode significar a morte.

Não existe registro oficial de quantos migrantes retornados foram assassinados em Honduras. No entanto, uma revisão de notícias publicadas na imprensa sobre homicídios no país, compilada pela pesquisadora Elizabeth Kennedy, da Universidade de San Diego, mostra que pelo menos 35 pessoas que foram deportadas dos Estados Unidos entre janeiro de 2014 e julho de 2015 foram assassinadas em questão de meses ou mesmo dias depois de retornar a Honduras.

Um investigador de homicídios em San Pedro Sula disse ao "Guardian" que, em sua estimativa, entre 10% e 15% dos casos que ele investiga na cidade, que nos últimos três anos tem sido a mais violenta do mundo, são de deportados assassinados.

14.jul.2014/Presidential House/Reuters
Mulheres e crianças no aeroporto de San Pedro Sula, em Honduras, após serem deportadas dos EUA
Mulheres e crianças no aeroporto de San Pedro Sula, em Honduras, após serem deportadas dos EUA

O "Guardian" procurou as famílias de três homens mortos nos últimos 12 meses pouco depois de serem deportados dos Estados Unidos e também documentou o assassinato de um garoto de 14 anos deportado à força do México.

As histórias deles destacam os riscos enfrentados por muitos deportados quando retornam.

"MATARAM ÁNGEL"

Apesar de terem fugido da violência, Ángel Díaz, 26, e seus irmãos não pediram asilo quando chegaram aos Estados Unidos, preferindo ficar na clandestinidade.

Ángel encontrou trabalho no setor da construção e estava deitando raízes em sua nova vida. No entanto, em abril de 2015, ele foi preso depois de uma disputa doméstica com sua namorada. Pelo fato de não ter documentos de residência no país, foi mandado a um centro de detenção para migrantes a serem deportados.

Depois de três meses de detenção, ele estava de volta à cidade dominada pela violência da qual tinha fugido.

Conformado com a repatriação forçada, Ángel pediu a Antonio, seu pai, um emprego de motorista de um de seus micro-ônibus. Antonio diz que teve medo de que Ángel estivesse se arriscando. "Eu não queria que ele se expusesse daquele jeito, mas ele precisava trabalhar", explica.

Antonio estava pagando às "maras" 300 lempiras (cerca de US$ 13) por semana por ônibus. Ele tinha a esperança de que não houvesse problemas.

Não houve nenhum aviso prévio. Em 13 de julho, dias apenas depois de retornar ao país, Ángel foi morto a tiros na direção do micro-ônibus.

Alguns dias depois de enterrar Ángel, Antonio deixou seu filho Oscar —que tinha voltado ao país para uma visita—, sua nora e quatro netos na fronteira com a Guatemala, pagando a um coiote para levá-los em segurança até os Estados Unidos.

"Vamos todos", disse. "Não dá mais para ficarmos aqui". Ele e sua mulher esperam se juntar ao resto da família assim que ele conseguir vender seu negócio.

Armado com documentos que comprovam o assassinato de seu irmão, Oscar e sua mulher pediram asilo quando chegaram à fronteira do Texas. Sua mulher e seus três filhos receberam autorização de permanência de um ano, enquanto Oscar foi levado a um centro de detenção em Miami. O outro neto de Antonio, um menino de nove anos que é filho de outro filho seu, foi levado a Nova York para seu caso ser encaminhado.

Uma revisão feita pela Acnur, a agência de refugiados das Nações Unidas, das entrevistas feitas a migrantes deportados a Honduras no segundo semestre de 2013 constatou que apenas 5,3% deles citaram "ameaças" ou "insegurança" como a razão para terem deixado o país. Porém, devido às limitações do processo de entrevistas, a Acnur estima que o número real seja maior, ressaltando que a decisão de migrar sempre é baseada em vários fatores.

"A GANGUE DA QUAL ELES ESCAPARAM VAI MATÁ-LOS"

José Marvin Martínez, conhecido por seus amigos, vizinhos e parentes como El Chele (Louro), provavelmente não citou a insegurança como o motivo pelo qual deixou San Manuel, cidade próxima a San Pedro Sula, em 2012. Ele disse ao seu irmão mais velho, Hipólito Díaz, que estava cansado de ser pobre e queria encontrar trabalho nos EUA.

Sibylla Brodzinsky/The Guardian
Hipólito Díaz, cujo irmão, El Chele, foi morto em Honduras após ser deportado dos EUA
Hipólito Díaz, cujo irmão, El Chele, foi morto em Honduras após ser deportado dos EUA

No entanto, a decisão foi tomada poucos meses depois de outro irmão deles, Rigoberto, ser morto a tiros perto da casa de seus pais, em 2012, por suspeitos membros de uma gangue. "Acho que teve algo a ver com isso", falou Díaz, sentado numa rede esfarrapada nos fundos de sua casa, feita de folhas enferrujadas de zinco.

El Chele, que migrou aos 16 anos, encontrou trabalho como assistente de pedreiro em Houston. Quando foi deportado, em agosto de 2014, tinha conseguido economizar um pouco e, quando retornou a Honduras e foi viver com seu irmão, comprou uma motocicleta.

Vizinhos dizem que, de volta ao país, El Chele teria se envolvido com as "maras" que controlam a área. "Não sei se ele estava envolvido em coisas ruins, mas eu ficava curioso para saber o que fazia na rua o tempo todo", contou Díaz.

Ele tentou convencer El Chele a voltar para o sítio da família na província de Lempira, para ficar longe de problemas. El Chele prometeu que iria depois do Natal.

Porém, em 14 de dezembro de 2014, El Chele estava batendo papo com um amigo diante de uma loja de esquina quando homens armados numa picape vermelha abriram fogo e o mataram instantaneamente.

"Cheguei lá meia hora depois", contou Díaz. "Ele estava deitado de bruços na rua." A polícia lhe disse que encontrou 20 cápsulas de bala no local do crime.

Para os jovens em Honduras, entrar para uma gangue local —por opção própria ou à força— é uma das poucas opções de vida que existem. O detetive Jaime Coto diz que muitos dos menores de idade que partem para os EUA querem escapar do recrutamento à força das gangues, ou, se já começaram a trabalhar para as "maras", querem tentar fugir delas, deixando o país.

Jorge Cabrera - 8.out.2015/Reuters
Jornalistas e policiais em frente a local onde oito homens foram mortos por gangue de Tegucigalpa
Jornalistas e policiais em frente a local onde oito homens foram mortos por gangue de Tegucigalpa

"Quando são deportados de volta para cá, é perigoso voltar para o lugar de onde partiram, porque a gangue da qual escaparam vai matá-los", diz o detetive. "Se um deportado não conseguir encontrar um lugar onde se sinta em segurança, é certeza que será morto."

Coto faz parte de uma equipe de investigadores —sobrecarregada e com recursos insuficientes— que policia a maior parte da província de Cortés, que abrange San Pedro Sula. Vinte e seis detetives dividem uma só viatura para policiar a região, que tem 1,3 milhão de habitantes. Quatro a oito homicídios por dia são denunciados à polícia em sua área de atuação.

GAROTO ABATIDO A TIROS

Menos de 2% dos responsáveis por homicídios em Honduras acabam condenados. Ainda assim, a polícia pode reivindicar uma vitória rara no caso de Gredis Alexander Hernández, garoto de 14 anos que foi morto a tiros dias depois de ser deportado do México.

Hernández tinha fugido de Honduras com sua irmã de 16 anos depois de ter testemunhado o assassinato do namorado da irmã, segundo a polícia. Os dois foram deportados do México dias depois de partir e, inicialmente, internados num lar para menores retornados.

Hernández convenceu as autoridades a deixar que ele voltasse para sua família. Dois dias depois, levou dois tiros na cabeça quando estava deitado na cama. Depois de seu assassinato, sua irmã fugiu do lar para menores e, segundo a polícia, deixou o país novamente.

Em meados de setembro, a polícia prendeu três pistoleiros acusados do assassinato de Hernández. Um quarto atirador continua foragido.

"O MAL QUE EXISTE ALI É TREMENDO"

Juan Francisco Díaz também pretendia sair de Honduras novamente, depois de ter sido deportado dos EUA para a cidade de Choloma, em março. Ele tinha vivido três anos nos EUA ilegalmente até ser detido por arruaça pública e embriaguez, segundo seu pai, que pediu para ser identificado como Héctor.

Juan Francisco, 34, teve dificuldade em encontrar trabalho depois de ser devolvido a Honduras e estava planejando empreender a árdua viagem por terra de volta aos EUA em meados de julho. No dia 5 de julho, foi encontrado morto numa viela no bairro de seus pais. "Os vizinhos bateram na minha porta para dizer que tinham reconhecido o corpo de meu filho", conta Héctor.

Orlando Sierra - 29.set.2015/AFP
Funcionário de equipe forense durante operação policial em subúrbio de Tegucigalpa
Funcionário de equipe forense durante operação policial em subúrbio de Tegucigalpa

Depois de sepultar seu filho, ele e sua mulher, por medo, fugiram para outra parte de Honduras. "O mal que existe ali é tremendo", disse Héctor em entrevista telefônica. "Temos medo de voltar."

Todas as semanas, pelo menos duas vezes por semana, um avião carregado de novos deportados chega ao Centro para a Atenção aos Migrantes Retornados (CAMR), no aeroporto de San Pedro Sula, onde todos os adultos enviados de volta dos EUA são processados quando retornam ao país.

Quando descem em fila do avião e chegam ao centro de recepção, os migrantes recebem um café e uma tortilha recheada de feijão, um quitute popular chamado "baleada" (baleado).

Faixas em inglês saúdam os homens e mulheres cujas vidas acabam de ser viradas do avesso, oferecendo-lhes oportunidades para recomeçar. "Você também pode viver seu sonho americano em Honduras", diz uma faixa, oferecendo vagas de trabalho em call centers de empresas americanas.

Voluntários no centro empilham sacolas vermelhas para acomodar os poucos pertences que os deportados trazem de volta. Alguns deles chegam com várias mudas de roupa; outros trazem apenas pedaços de papel, um pente e algumas embalagens de plástico.

Quando recuperam seus pertences, eles começam a recolocar os cadarços de seus sapatos e os cintos de suas calças, que lhes foram devolvidos.

A assessora jurídica Dora Melara, que presta assistência aos deportados recém-chegados, diz que a maioria deles dará meia-volta e retornará à vida que deixou para trás nos EUA. "É difícil convencer a ficar alguém que migrou por correr risco de vida", ela diz.

Para aqueles que estão fora de Honduras há muito tempo, aprender a orientar-se na paisagem social e criminal do país pode ser tão perigoso quanto a viagem por terra até a fronteira dos Estados Unidos.

Numa tarde recente, Alberto García, 20, parecia em choque ao voltar ao país que mal conhecia —sua mãe o levou aos EUA quando ele tinha cinco anos. No entanto, a tatuagem em seu pescoço proclamava seu lema —"nunca perder a esperança"—, e García disse que pretendia aproveitar seu inglês fluente, trabalhando num call center.

Sibylla Brodzinsky/The Guardian
Alberto García, 20, foi deportado dos EUA em 29 de julho deste ano
Alberto García, 20, foi deportado dos EUA em 29 de julho deste ano

Ele, que era operador de empilhadeira na Califórnia, disse que tem consciência dos perigos em Honduras, mas pretende viver discretamente e esperar até sua mãe receber cidadania nos EUA, para que ela possa solicitar um "green card" para ele, como parte de um plano de reunificação familiar.

Mas a maioria dos que fizeram a vida nos Estados Unidos só quer voltar para o país.

Carlos Fonseca tinha seis anos de idade quando partiu para os EUA com sua mãe. Hoje, com 31 anos, falando inglês perfeito e espanhol com ligeiro sotaque, ele só tem alguns parentes distantes em San Pedro Sula. Sua mulher e seus filhos estão nos EUA.

Quando ele foi detido na Califórnia, em fevereiro, deu entrada em um pedido de asilo, mas, depois de passar seis meses em um centro de detenção, decidiu aceitar a deportação. "Eu estava farto de ficar encarcerado", explicou.

Diante do centro para migrantes retornados, ele procurava um táxi, nervoso. "Vamos procurar um que tenha motorista idoso", propôs a seu companheiro. "Alguém que não mexa comigo."

"Assim que eu puder me organizar, vou voltar para casa", disse Fonseca. "Ouvi dizer que é perigoso aqui."

Tradução de Clara Allain


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