Folha de S. Paulo


Rússia tem mais chance de pôr fim à guerra síria, diz ex-embaixador

O ex-embaixador inglês em Moscou Anthony Brenton diz que a aliança do presidente russo Vladimir Putin com o ditador sírio Bashar al-Assad aumenta as chances de pôr um fim o conflito no país árabe.

Crítico da exigência americana da deposição do ditador, Brenton argumenta que seria mais se efetivo potências ocidentais combatessem o terrorismo em conjunto com a Rússia, "em vez de focar Assad".

"Há mais razões para se achar que a Rússia pode resolver esses problemas do que os EUA ou a Europa. Os russos são mais agressivos, ousados e têm um aliado na região. A grande questão é saber se conseguirão mesmo ser melhores que qualquer outro [país]."

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Anthony Brenton, ex-embaixador britânico na Rússia, em foto de julho de 2007
Brenton, ex-embaixador britânico em Moscou, em 2007; para ele, EUA e Rússia devem agir juntos

Brenton foi expulso de Moscou em 2007, em meio a uma crise diplomática entre Rússia e Reino Unido, mas mantém posição mais simpática a Putin que ao governo ao qual serviu.

Hoje pesquisador na Universidade de Cambridge, ele considera que as sanções econômicas impostas à Rússia desde a anexação da Crimeia, em 2014, tornam "a vida de Putin mais fácil", porque servem de
desculpa para a crise econômica em curso e reforçam o sentimento antiocidental no país. "A Rússia está cansada de ser ignorada pelo Ocidente."

O diplomata contesta a acusação americana de que a Rússia tem como alvo opositores de Assad, e não terroristas. Para ele, combater o extremismo é o principal motivo da intervenção.

Na Flórida, após uma viagem a Moscou, ele conversou com a Folha por telefone.

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Como o senhor vê a decisão americana de interromper o treinamento de rebeldes na Síria?

Mostra as dificuldades dos EUA e do Ocidente, em geral, em fortalecer uma oposição a Assad, que tem o apoio da Rússia.

Por que o senhor é contra as sanções à Rússia?

Quando elas foram impostas, era óbvio que não elas mudariam a política da Rússia. Agora, faz um ano que estão em vigor, e elas ainda não mudaram.

Na verdade, o dano à economia russa é causado, sobretudo, pela queda no preço do petróleo. O efeito que as sanções causaram foi permitir a Putin dizer a seu povo: 'Veja, todo o Ocidente está contra nós'.

É uma tradição na Rússia e em países em crise externa apoiar o governo. Isso acontece lá, em parte, por causa das sanções, que ainda ajudam Putin a justificar internamente a crise econômica. Torna a vida do presidente mais fácil.

Qual seria a melhor estratégia para o Ocidente?

Na Síria, de certa forma, a crise está só começando. A Rússia se moveu muito rapidamente. O motivo é que Putin teme muito o extremismo islâmico. Eu o vi falar isso. É uma ameaça direta à Rússia.

O problema do extremismo no Cáucaso levou às guerras na Chechênia uma década atrás e ao massacre em uma escola em Beslan, em 2004, que deixou quase 200 crianças mortas. Aí Putin olha para o Oriente Médio e vê a expansão do extremismo e diz: "Bem, a ação ocidental ali foi incompetente. Interveio no Iraque, derrubou Saddam Hussein, e se implantou o caos. Na Líbia, derrubou Muammar Gaddafi, e, de novo, caos e mais extremismo".

Então, a posição de Putin é não deixar isso acontecer de novo na Síria e, por isso, ele apoia Assad. Em seu memorável discurso na ONU, dias atrás, passou uma mensagem ao Ocidente: 'Vocês sabem o que vocês fizeram? Uma completa desordem, que estimulou mais do que combateu o extremismo islâmico". E ele está determinado a reverter esse processo.

A aliança de Putin com Assad é temporária?

Nós, no Ocidente, nos opomos a seu apoio a Assad. É um ditador indecente e acho que Putin sabe disso. Não queremos que ele fique no poder além do necessário. Mas me parece que, em vez de focar Assad, deveríamos estar tentando achar um jeito de combatermos juntos o extremismo islâmico na Síria.

A principal preocupação de Putin é combater não apenas o Estado Islâmico, mas também os outros grupos como a Al-Qaeda. Ele tem outros motivos, mas esse é o dominante. Assad é seu principal aliado na região, então, naturalmente, ele quer apoiá-lo, mas também deve ter certo prazer em dizer ao mundo que a estratégia ocidental falhou e que a dele tem mais chances de ter sucesso.

É uma causa perigosa, porque ninguém foi capaz de vencer em definitivo as guerras recentes no Oriente Médio. Mas há mais razões para se achar que a Rússia pode resolver esses problemas do que os EUA ou a Europa. Os russos são mais agressivos, ousados, têm um aliado na região –são razões adicionais para se crer que Putin pode ser bem-sucedido. A grande questão é saber se a Rússia pode ser melhor que qualquer outro [país].

Por que é uma estratégia perigosa?

A invasão russa ao Afeganistão [1979-1989] foi um completo desastre. O país perdeu milhares de homens, foram forçados a sair do país, derrotados, e isso contribuiu para o colapso do comunismo nos anos 90. Eu estava em Moscou na semana passada. Os russos estão preocupados, não querem que a situação se repita. Há um instinto de apoiar o governo, mas estão preocupados que possa dar muito errado.

Falta ao Ocidente compreensão sobre a Rússia? Sobre o Oriente Médio?

Sim. No Oriente Médio, a nossa interferência simplesmente piorou as coisas. Quanto à Rússia, paramos de levá-la a sério ao final da Guerra Fria. Expandimos a Otan [aliança militar ocidental], apoiamos os georgianos, lutamos a nossa guerra em Kosovo. Os eventos recentes na Síria e na Ucrânia são reações a isso.

Durante a anexação da Crimeia, Putin reclamou que o Ocidente humilhava a Rússia e estava indo tão longe que a tensão se voltaria contra ele. Agora vemos uma Rússia cansada de ser ignorada, que acredita que tem de defender seus interesses sem prestar muita atenção nos temores do Ocidente.

Editoria de arte/Folhapress

Como se reaproximar da Rússia a essa altura?

É preciso lidar com questões separadamente de um jeito a ouvirmos e conversarmos, em vez de ignorarmos uns aos outros. Em relação à Ucrânia, estamos chegando lá [à pacificação] não por causa dos EUA e da Inglaterra, mas porque os franceses e os alemães intermediaram.

Em relação à Síria e ao Oriente Médio, a posição tomada por Washington e Londres de não dialogar com Moscou leva a Rússia a agir por conta própria e não haverá cooperação para se tentar lidar com o verdadeiro problema, com o qual todos estamos preocupados, que é a expansão do extremismo islâmico. Na minha visão, deveríamos estar conversando mais com os russos para tentarmos achar um meio termo.

E passar a agir em conjunto?

Isso tomaria tempo. Obviamente, o passo mais urgente é conseguir uma coordenação para evitar acidentes no espaço aéreo sírio. A partir daí, começar a tentar identificar alvos e uma linha política em comum.

Quem lideraria?

É a pergunta que todos querem evitar, porque os americanos não querem se deixar liderar pelos russos e vice-versa. Será preciso uma arquitetura em que eles pareçam iguais.


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