Folha de S. Paulo


Novo bairro da moda em Londres atrai protestos contra valorização

Apesar do nome, o Cereal Killer é um inofensivo café no bairro de Shoreditch, no leste de Londres, que oferece combinações com 120 tipos cereais e 30 de leite.

No subsolo, seis TVs antigas, duas em preto e branco, passam desenho animado dos anos 80. O preço de um pote de cereal com leite pode chegar a £ 5,20 (R$ 31,20).

O Cereal Killer foi aberto em dezembro por dois irmãos gêmeos e "hipsters". Diz ser o primeiro desse tipo em Londres. Fica na Brick Lane, rua conhecida pelos grafites de artistas como Banksy.

O café não passava de mais uma ideia descolada até a noite do último dia 26, quando virou vilão para cerca de 200 pessoas que o escolheram como alvo para protestar contra a gentrificação de Londres, o fenômeno de valorização de uma área da cidade que acaba por expulsar dela os moradores de menor renda.

Com tochas, cabeças de porco e máscaras, o grupo liderado por uma trupe que se declara anarquista (e não gosta de dar entrevista) atirou tintas, flocos de milho e ameaçou pôr fogo na loja, considerada por eles símbolo da desigualdade num bairro menos abastado que os da região oeste. "Fodam-se os cereais! O que há de errado em ovos e torradas?", gritavam.

"Não tinha ideia do que estava acontecendo. Quando percebi que era contra nós, peguei os clientes, incluindo crianças, e os levei para o andar de baixo. Chamei a polícia e fechei a porta. Foi insano", contou à Folha Matt Moncrieff, 29, gerente da loja. "Totalmente desnecessária essa violência", reclama.

Dezenas de policiais foram mobilizados, e as cenas do protesto tomaram conta dos jornais ingleses, levando o prefeito de Londres, Boris Johnson, a se manifestar: "É inaceitável. Pequenos negócios como o Cereal Killer são vitais para a economia".

Na mesma noite, o grupo tentou quebrar os vidros de uma imobiliária, repetindo gesto recente ocorrido em Brixton, bairro também de menor poder aquisitivo.

DISCUSSÃO MUNDIAL

O episódio do Cereal Killer foi localizado –só uma pessoa foi detida por danos–, mas trouxe à tona mais uma vez uma discussão que cresce na capital britânica sobre o processo de gentrificação impulsionado pelo boom imobiliário –alugar apartamento de um quarto no centro sai em média por £ 1.700 (R$ 10,2 mil).

Londres não está sozinha. O fenômeno atinge cidades como Paris, Nova York e San Francisco. No Brasil, o Rio de Janeiro é um exemplo.

"Londres vem sofrendo isso há mais de 15 anos, sobretudo no leste. A gentrificação melhora áreas em declínio, com casas abandonadas, de baixa qualidade. Mas outros argumentam que esse 'upgrade' imobiliário empurra parte da população para fora dali", explica o professor de geografia Chris Hamnett, do King's College de Londres.

Shoreditch tem virado um bairro boêmio e da moda. Há 30 anos, era essencialmente ocupado por trabalhadores.

Pesquisa da organização End Child Poverty (acabe com a pobreza infantil) diz que 49% das crianças do bairro vivem em condições de pobreza –o parâmetro é família com renda abaixo de £ 11 (R$ 66) por dia por membro, descontada a despesa de pagamento do imóvel em que vive.

Ao mesmo tempo, a transformação e a proximidade da "City", o coração empresarial da cidade, a tornam atrativa ao mercado imobiliário.

Ali, o aluguel de apartamento de um quarto não sai por menos de £ 1.920 (R$ 11,5 mil) –o preço de 92 potes de cereais no Cereal Killer.


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