Folha de S. Paulo


Apesar de crise, presidenciáveis evitam falar em 'ajuste' na Argentina

Na campanha presidencial argentina, a palavra "ajuste" na economia é tema proibido.

Sob influência do que ocorre no vizinho mais importante, o Brasil, e por lembrança do colapso da economia argentina em 2001, nenhum dos atuais candidatos à Presidência se atreve a classificar dessa maneira as correções consideradas inevitáveis caso chegue à Casa Rosada.

Enrique Marcarian - 9.fev.2014/Reuters
Vista da favela Villa 31, em Buenos Aires; argentinos enfrentam inflação e estagnação econômica
Vista da favela Villa 31, em Buenos Aires; argentinos enfrentam inflação e estagnação econômica

Para economistas e empresários, a saída de Cristina Kirchner, em dezembro, significará uma mudança de rota no país, hoje acometido por inflação elevada, falta de dólares e estagnação econômica.

"É impossível manter a situação que se tem agora. Nos bastidores, está tudo desmoronando", disse à Folha o presidente de uma grande empresa que opera na Argentina.

"O dólar disparou no mercado paralelo, as reservas sumiram, as fábricas estão parando e os fornecedores estrangeiros estão sem receber."

O principal gargalo é a falta de dólares. Fora do mercado internacional de crédito desde julho de 2014, quando perdeu disputa judicial com credores externos, o país passou a depender exclusivamente da receita das exportações para obter dólares.

Mas, com a queda nos preços das matérias-primas e a recessão no Brasil, seu mais importante mercado, as exportações recuaram 17% até agosto e se prevê que essa receita deva desaparecer até 2016.

CRESCIMENTO ECONÔMICO - Variação do PIB da Argentina, em %

Sem dólar, as empresas não podem comprar insumos importados para produzir. E o excesso de intervenção do governo para tentar equilibrar essa balança acabou afugentando investidores de fora.

Consultorias estimam que o país parou: terá entre zero e 0,5% de crescimento neste ano. Há quatro anos, só o setor público gera empregos.

"Há uma dinâmica na economia em que será imprescindível um rebalanceamento", diz Marcos Buscaglia, do Bank of America/Merrill Lynch.

BEM-ESTAR ARTIFICIAL

Para fabricar um clima de bem-estar às vésperas da eleição, o governo argentino triplicou os gastos públicos neste ano em relação a 2011, aumentou as restrições às importações e está queimando as reservas do Banco Central.

Essa política, segundo economistas, tem provocado incertezas sobre como será possível reverter o quadro no próximo mandato presidencial.

INFLAÇÃO - Variação ao ano, em %

Entre especialistas, não há opção senão aceitar a desvalorização do peso e conter os gastos do governo. Os candidatos, porém, prometem "correções sem ajuste" e trocam acusações sobre quem produzirá a temida alta do dólar.

"Chegaremos gradualmente a uma inflação de um dígito, mas nunca à custa de um ajuste das nossas políticas de inclusão social, e sim com maior crescimento", disse o favorito Daniel Scioli no lançamento de seu programa econômico, há cerca de dez dias.

"O kirchnerismo vai nos deixar um Banco Central pelado", criticou o opositor Mauricio Macri (PRO) na última quinta-feira (1º).

ABUTRES

Para superar a falta de dólares, segundo Juan Carlos Barbosa, economista do Itaú Unibanco, a agenda número um do próximo governante deverá ser negociar com os "abutres" (credores externos). A resistência foi uma das principais bandeiras políticas de Cristina Kirchner.

Os candidatos já acenaram com um acordo, mas o governista Scioli diz que pretende negociar condições.

"A única chance para que o gradualismo tenha sucesso é o acordo com os credores", diz Barbosa. Sobretudo quando se fala em reduzir paulatinamente gastos públicos e os subsídios do governo.

"Mas, recebendo reservas cambiais tão baixas, o governo não terá muita margem para negociar condições com os credores ou mesmo obter um perdão de parte da dívida", prevê o economista.

Só com mais dólares, dizem os economistas, será possível retirar as barreiras às importações e outros pagamentos em dólares, que no vocabulário argentino ganharam o nome de "cepo cambiario".

Economistas ligados a Macri falam em retirar barreiras em 24h, indicando uma política mais rápida de correção. Já Sergio Massa (UMA) diz que levará cem dias para eliminar o "cepo", alvo de constantes críticas de empresas brasileiras que exportam para o país.

DIFICULDADES FORA

O principal risco à estratégia gradualista e de menos custo de um ajuste é a piora da economia internacional. Além da baixa das exportações, outras formas de captar dólares, como a atração de investimentos produtivos, estão travadas com as dificuldades no Brasil e na Europa e com o aumento dos juros nos EUA.

Desvalorização da moeda de vizinhos - Variação de janeiro a setembro, em %

"Mas manter os controles cambiais seria condenar o país ao baixo crescimento, e acho que nenhum dos candidatos quer isso", diz Barbosa.

Para Marcos Buscaglia, chefe de pesquisa econômica para a América Latina do Bank of America/ Merrill Lynch, porém, a Argentina em 2016 poderá ter um destino melhor do que o Brasil e seu ajuste pós-eleição.

"A vantagem da Argentina é que tanto o país quanto as famílias estão desendividados. Ao abrir as portas a investimentos e negociando com os credores, a Argentina poderá reduzir o custo desse rebalanceamento."


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