Folha de S. Paulo


No Congresso dos EUA, papa pede fim da pena capital e condena extremismo

No primeiro pronunciamento de um pontífice no Congresso dos Estados Unidos, o papa Francisco pediu a abolição da pena de morte, condenou o fundamentalismo religioso e voltou a defender os imigrantes.

Os EUA estão entre os cinco países do mundo com o maior número de execuções. "Toda vida é sagrada, toda pessoa humana é dotada de dignidade inalienável, e a sociedade só pode se beneficiar da reabilitação daqueles condenados por crimes", disse Francisco, que fez um apelo direto aos congressistas americanos contra a pena capital.

"Recentemente meus irmãos bispos estiveram aqui nos Estados Unidos e renovaram o apelo pela abolição da pena de morte. Eu não apenas os apoio, mas também ofereço encorajamento a todos os que estão convencidos de que uma punição justa e necessária não deve jamais excluir a dimensão de esperança e o objetivo de reabilitação", afirmou.

Recebido com aplausos calorosos e gritos entusiasmados pelos congressistas, Francisco falou em inglês durante exatos 50 minutos, nos quais criticou a polarização política no mundo e pediu união.

A mensagem tem especial significado num Congresso americano marcado por profundas divisões entre democratas e republicanos. "O mundo contemporâneo, com suas feridas abertas que afetam tantos de nossos irmãos e irmãs, exige que confrontemos toda forma de polarização", disse o papa.

Francisco também condenou a violência cometida em nome da religião. "Nosso mundo é cada vez mais um lugar de conflito violento, ódio e atrocidades britais, cometidas em nome de Deus e da religião", disse o papa.

"Temos que estar especialmente atentos a todo tipo de fundamentalismo, seja religioso ou de qualquer outro tipo. Um equilíbrio delicado é necessário para combater a violência perpetrada em nome de uma religião, uma ideologia ou um sistema econômico, ao mesmo tempo garantindo a liberdade religiosa, a liberdade intelectual e as liberdades individuais".

Um dos temas que mais provocam divisões entre os americanos, a venda de armas de fogo, também foi alvo de críticas do pontífice. Nos EUA o direito de portar armas é garantido pela Constituição.

"Estando a serviço do diálogo e da paz também significa ser verdadeiramente determinado a minimizar e, a longo prazo, terminar muitos conflitos armados ao redor do mundo. Aqui temos que nos perguntar: por que armas mortíferas estão sendo vendidas àqueles que planejam infligir sofrimentos terríveis a indivíduos e à sociedade? Tristemente, a resposta, todos sabemos, é simplesmente por dinheiro. Dinheiro manchado de sangue, geralmente o sangue de inocentes. Diante deste silêncio vergonhoso, é nosso dever confrontar o problema e parar o comércio de armas", disse o papa.

Ele não mencionou a palavra aborto em seu discurso, outro tema que provoca apaixonados debates nos EUA, fazendo apenas uma breve menção ao defender a vida "em todos os estágios".

O pontífice foi ao Congresso a convite de John Boehner, presidente da Câmara dos Deputados, católico praticante. Sentado atrás do papa, visivelmente emocionado, Boehner teve que secar as lágrimas várias vezes durante o discurso.

Sobre ambos, a inscrição na parede do Congresso, "Em Deus, nós confiamos", a mesma frase que está impressa nas cédulas de dólar.

Francisco começou seu pronunciamento arrancando longos aplausos ao agradecer o convite para falar na sessão conjunta do Congresso, "na terra dos livres e lar dos bravos", uma citação do hino americano.

IMIGRANTES

Repetindo um apelo feito no dia anterior em Washington, o papa defendeu a acolhida aos imigrantes, tema controvertido em um país envolvido num acalorado debate sobre como conter a entrada de estrangeiros ilegais.

"Nos últimos séculos, milhões de pessoas vieram para esta terra em busca do sonho de construir um futuro em liberdade. Nós, as pessoas deste continente, não temos medo de estrangeiros, porque a maioria de nós um dia foi estrangeiro. Eu digo isso como o filho de imigrantes, sabendo que tantos de vocês também são descendentes de imigrantes", disse Francisco.

O papa também pareceu fazer um "mea culpa" em relação aos maus-tratos praticados a populações nativas por sacerdotes católicos em missões de evangelização.

Na quarta (23), Francisco reuniu milhares na Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição, em Washington, na missa de canonização do padre franciscano Junípero Serra, criticado por ter agredido índios americanos no século 18.

"Tragicamente, os direitos daqueles que estavam aqui muito antes de nós nem sempre foram respeitados. Aqueles povos e suas nações, do coração da democracia americana, eu desejo reafirmar minha mais alta estima e apreciação. Aqueles primeiros contatos foram com frequência turbulentos e violentos, mas é difícil julgar o passado com o critério do presente", afirmou o papa, que foi aplaudido mais de 30 vezes durante o discurso.

Embora não seja inédito, o pronunciamento do papa em um parlamento não é um acontecimento corriqueiro. Só dois pontífices já haviam feito o mesmo, João Paulo 2º e Bento 16.


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