Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Presidente depende de apoio de inimigo para concretizar acordo

"Nem todo o mundo vai ficar feliz, mas estou certo de que, no longo prazo, será muito melhor", disse o presidente Juan Manuel Santos em entrevista a um veículo colombiano, no começo da semana.

De fato, a ideia de uma "Justiça transicional", que aponta para um tratamento diferenciado a ex-guerrilheiros, não agrada a pelo menos 80% dos colombianos, segundo pesquisas recentes, e quase custou o cargo de Santos, que por pouco não perde as eleições do ano passado para o linha-dura Óscar Iván Zuluaga –que pregava abandonar as negociações em Havana.

Por outro lado, o governo vem oferecendo, nos últimos dois anos, bons argumentos e exemplos históricos de situações análogas para convencer os colombianos de que, sem uma política que envolva algum tipo de perdão e redução de penas, será impossível chegar à paz.

Tem sido comum entre analistas colombianos afirmar que, "depois da paz com as Farc, Santos tem de buscar a paz com Uribe".

O que parece uma piada de bastidores, porém, revela uma real dificuldade que surge adiante no caminho de Santos.

Para viabilizar as mudanças constitucionais necessárias para aplicar o acordo, o governo terá de obter um apoio maciço do Congresso. E isso não será possível sem o ex-aliado e atual inimigo, o senador Álvaro Uribe, que lidera uma bancada de mais de 40 congressistas (do partido Centro Democrático).

Principal crítico do acordo, Uribe é uma espécie de porta-voz de considerável parte da sociedade que acredita que Santos está "entregando o país às Farc".

Isso porque, para agilizar as mudanças na Constituição, Santos levantou a hipótese de criar um "Congresito" (pequeno Congresso), integrado apenas por alguns parlamentares de sua confiança, além de representantes das Farc. A oposição se posicionou contra, dizendo que Santos estava "destruindo a institucionalidade".

PONTOS QUE FALTAM

De todo modo, um acordo sobre a Justiça é um passo importante, que se soma a conquistas anteriores já concretizadas: o acerto sobre a reparação das vítimas e a retirada dos milhares de minas terrestres espalhadas pela guerrilha –uma das principais reclamações dos habitantes da área rural.

Faltam, porém, alguns pontos importantes, como o da entrega total das armas e o da desmobilização e do abandono de territórios ocupados ilegalmente.

O Estado colombiano tem um plano de reorganização das terras e dos espaços hoje em mãos da guerrilha. Espera reintegrar forças produtivas que permitam um aumento de 2% do crescimento do PIB.

A guerrilha, porém, pede altas garantias para deixar as trincheiras. Quer segurança contra prováveis ameaças de morte, de paramilitares ou familiares de vítimas, e um plano consistente para uma reintegração ao mercado de trabalho.

Também requisita um plano para integrar-se à política nacional, por meio da permissão para criar um partido e para disputar eleições.


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