Folha de S. Paulo


Conheça a trajetória de refugiados no Brasil

A intensificação de conflitos e guerras civis em países do Oriente Médio e África ampliou o deslocamento em massa de pessoas em busca de segurança em outras nações, incluindo a Europa. Mas, em alguns casos, os refugiados só encontram abrigo em lugares bem mais distantes.

Desde quando o Brasil abriu suas portas, em 2013, mais de 1.700 refugiados sírios foram registrados no país. O número é maior do que a quantidade de pessoas recebidas pelos Estados Unidos, por exemplo.

Quem chega ao Brasil, porém, encontra dificuldades de adaptação, principalmente o idioma, a procura por trabalho e o alto custo de vida. Veja abaixo algumas das histórias de refugiados no país.

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TRAGÉDIAS DE MOHAMMAD

Mauri König/Folhapress
A agente educacional que abrigou uma família de refugiados sírios Zineide Vedois (à esq.), ao lado de Duaa, que está grávida de cinco meses, o marido Mohammad Al Nader e o filho do casal, Mammun
A agente educacional que abrigou uma família de refugiados sírios Zineide Vedois (à esq.), ao lado de Duaa, que está grávida de cinco meses, o marido Mohammad Al Nader e o filho do casal, Mammun

Mohammad Al Nader, 25, é um dos 4 milhões de refugiados que deixaram a Síria desde o início da guerra civil, em 2011. Sob o regime do ditador Bashar al-Assad, a mãe dele sofreu um aborto na prisão, dois tios, um irmão e o sogro acabaram presos de forma arbitrária e um cunhado, dois primos e outro irmão foram mortos na cadeia. Se ficasse, Mohammad seria o próximo.

Mohammad vivia em Quneitra, a lendária cidade síria que já havia sido destruída ao resistir ao domínio de Israel, em 1974. Ele deu entrada no Brasil como refugiado no dia 1º de fevereiro de 2014, um mês depois de completar 24 anos. Onze meses depois, trouxe a mulher, Duaa, e o filho então com um ano e quatro meses. Em Quneitra ficaram o pai, a mãe, cinco irmãs e três irmãos.

O quarto irmão, Sahar, que já havia sido preso por 59 dias em 2013 aos 15 anos, está dado como morto, depois de mais de um ano preso sem notícias.

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XEQUE QUER CASAR

Mauri König/Folhapress
Nazmul Islam, 28, refugiado de Sylhet, nordeste de Bangladesh, quer encontrar uma noiva brasileira
Nazmul Islam, 28, refugiado de Sylhet, nordeste de Bangladesh, quer encontrar uma noiva brasileira

Nazmul Islam, 28, encontrou no Brasil a segurança que não tinha no vilarejo onde morava no distrito de Sylhet, nordeste de Bangladesh, fronteira com a Índia. Confrontos entre ativistas pró-governo e oposicionistas provocaram uma evasão bengali.

De um lado, a Liga Awami da primeira-ministra Sheikh Hasina, filha do fundador do país, Sheikh Mujibur Rahman; de outro, o partido islamita Jamate-e-Islam e o Partido Nacionalista.

Nazmul diz que seus pais passaram a sofrer perseguição política por serem contrários ao governo. Ele fugiu para o Brasil. Há dois anos e meio ele trabalha no abate halal da Copagril e foi eleito xeque, o líder espiritual pela comunidade islâmica de Marechal Cândido Rondon.

Nazmul é um sujeito carismático e falante, embora ainda se atrapalhe com o português. O xeque não quer apenas ficar no Brasil, ele quer encontrar uma esposa brasileira.

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SOB RISCO DE SEQUESTRO

Mauri König/Folhapress
Muhammad Saqib Saeed, 23, refugiado da cidade paquistanesa de Nowshera, perto do Afeganistão
Muhammad Saqib Saeed, 23, refugiado da cidade paquistanesa de Nowshera, perto do Afeganistão

Muhammad Saqib Saeed, 23, saiu da cidade paquistanesa de Nowshera, perto da fronteira com o Afeganistão, para fugir dos grupos criminosos que sequestram jovens para usá-los em ataques terroristas.

Um amigo dele ficou um mês nas mãos desses grupos e, ao voltar para casa, recusou-se a falar sobre o que aconteceu. Muhammad ouviu de colegas que a vida no Brasil teria melhores oportunidades.

Chegou ao país em janeiro com visto provisório de refugiado. No Paquistão ficaram pai, mãe, três irmãos e uma irmã. Desde a chegada, ele trabalha no abate halal de aves no frigorífico da Copagril, em Marechal Cândido Rondon.

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CIDADÃO DO MUNDO

Mauri König/Folhapress
Taslim Ahammed, 53, refugiado de Bangladesh que rodou por três países antes de chegar ao Brasil
Taslim Ahammed, 53, refugiado de Bangladesh que rodou por três países antes de chegar ao Brasil

Taslim Ahammed, 53, rodou por três países antes de chegar ao Brasil. A condição de miséria em que vivia em Daca, a capital de Bangladesh, o fez sair do país em busca de melhores condições para sustentar a mulher e os dois filhos que ficaram por lá.

Primeiro, ficou nove anos na Coreia do Sul, onde trabalhou numa fábrica de parafusos. Depois, passou cinco anos em Bagdá, no Iraque, trabalhando em serviços menores num escritório de imigração.

Por fim, diz ter investido US$ 50 mil numa loja de roupas e celulares em Ciudad del Este, no Paraguai. A loja faliu em três anos. Há dois anos e nove meses no Brasil, ele trabalha no abate halal de frangos em Marechal Cândido Rondon.

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TERRA DEVASTADA

Mauri König/Folhapress
Sulaymad, 36, chegou há dois meses ao Brasil e conseguiu trabalho em abate Halal de frangos no PR
Sulaymad, 36, chegou há dois meses ao Brasil e conseguiu trabalho em abate halal de frangos no PR

Sulaymad, 36, chegou há dois meses ao Brasil e foi direto trabalhar no abate halal de frangos na Copagrilem Marechal Cândido Rondon. A mulher e os dois filhos, um de sete anos e o outro de nove meses, ficaram na cidade de Basse, em Gâmbia (África).

Lá, a família vivia do cultivo de uma pequena porção de terra, que não dava o suficiente para a subsistência. A pobreza o fez imigrar em busca do emprego que não encontrou no país. Trabalhando no abate halal em Marechal Cândido Rondon, manda o pouco que sobra por mês para a mulher e os filhos terem o que comer.

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CAMELÔ SEM SORTE

Mauri König/Folhapress
Abu Bakarr Koroma, 36, vendia celulares nas ruas do bairro de Lungi, em Freetown, Serra Leoa
Abu Bakarr Koroma, 36, vendia celulares nas ruas do bairro de Lungi, em Freetown, Serra Leoa

Abu Bakarr Koroma, 36, vendia celulares nas ruas do bairro de Lungi, na cidade de Freetown, em Serra Leoa, na África. As vendas caíram a ponto de ele não ter o que pôr na mesa para a mulher e os dois filhos, hoje com quatro e sete anos.

Abu entrou no Brasil há um ano e seis meses com visto provisório de fugitivo, agora convertido em visto permanente. Antes do emprego no abate halal em Marechal Cândido Rondon, que lhe permite enviar dinheiro para a família em Serra Leoa, Abu trabalhou durante seis meses na construção civil em São Paulo, sem qualquer registro em carteira.

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ESCALA NA BOLÍVIA

Mauri König/Folhapress
Parvej Ahmed, 23, veio ao Brasil em busca de emprego para sustentar a família em Bangladesh
Parvej Ahmed, 23, veio ao Brasil em busca de emprego para sustentar a família em Bangladesh

Parvej Ahmed, 23, veio para o Brasil em busca de emprego para sustentar a mãe e três irmãs que ficaram em Beanibazar, cidade bengali de 200 mil habitantes na fronteira com a Índia.

Ele chegou há três anos, com uma escala involuntária na Bolívia, porque assim decidiram os coiotes para quem Parvej pagou US$ 10 mil para entrar no Brasil. Ele chegou ao país por Corumbá (MS) e dali foi para Brasília, onde uma greve na Polícia Federal retardou para um mês a emissão de documentos.

Trabalhou por seis meses em um frigorífico na cidade de Pires do Rio (GO), mas o salário era baixo demais. Foi então com um amigo para Marechal Cândido Rondon, onde por um ano trabalhou na produção do abate halal de frangos na Copagril. Ascendeu na profissão e hoje ajuda a coordenar os 195 estrangeiros que trabalham no frigorífico.

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FAMÍLIA DISPERSADA

Mauri König/Folhapress
Mohammad Arabi Sheiban, 27, viu a família dispersada por diversos países com a guerra civil na Síria
Mohammad Arabi Sheiban, 27, viu a família se dispersar por diversos países com a guerra civil na Síria

Mohammad Arabi Sheiban, 27, viu sua família se dispersar por diversos países após o início da guerra civil na Síria. No Brasil há um ano, ele trouxe também o irmão de 17 anos.

O pai e uma irmã continuam em Damasco, de onde não conseguiram sair. A mãe e o irmão de 6 anos estão no Egito, onde chegaram antes da proibição da entrada de sírios. Uma irmã está na Turquia e outra na Inglaterra, onde se casou. Formado em contabilidade, Mohammad decidiu fugir do país antes que fosse recrutado para a guerra.

Em São Paulo, onde conseguiu emitir CPF e carteira de trabalho, se deparou na Mesquita Liga Islâmica, no Brás, com um homem oferecendo emprego a quem quisesse trabalhar no abate halal em Marechal Cândido Rondon. Em 11 de setembro deste ano, Mohammad casou-se com a brasileira Angélica, 20, que conheceu no trabalho.


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