Folha de S. Paulo


Refugiados em Budapeste e Viena vivem duas realidades

Na estação central de Budapeste, dois professores seguram apreensivos e ansiosos o bilhete na amontoada fila de espera do trem que os levaria à Áustria, de onde pretendiam ir para a Alemanha.

Um deles, o sírio Samir Kali, 37, que dava aulas de matemática em seu país, reage irritado quando a reportagem pergunta se estava feliz com a possibilidade de chegar ao território alemão: "Não estou feliz não, porque por mim teria ficado em Damasco, que era a melhor cidade do mundo antes da guerra."

À sua frente, na mesma fila, estava Habib Zai, 34, que deixou a província de Kunar, no leste do Afeganistão, ameaçado de morte pelo grupo radical Taleban se não parasse de dar aulas de inglês. "O Afeganistão é lindo. Você precisa conhecer", disse.

Um pouco mais cedo, na austríaca Viena, o menino sírio Wesam, 14, já respondia com um "danke" –"obrigado" em alemão– ao receber comida e roupas para o frio.

Foi puxado pelo pai rapidamente assim que chegou o trem que os levaria a Salzburgo, na fronteira com a tão esperada Alemanha.

Leandro Colon/Folhapress
Em Viena, o sírio Wesam, 14, recebe ajuda da estudante Ilona Bruckner
Em Viena, o sírio Wesam, 14, recebe ajuda da estudante Ilona Bruckner

Outros sírios usavam a rede de internet "free4refugee" ("grátis para refugiados") da estação para se comunicar com parentes no país de origem -ou, como no caso do sírio Amer Misto, 34, localizar em Viena a mulher e o filho que se perderam dele na travessia da fronteira entre os países na noite de sexta (4).

A reportagem da Folha visitou no domingo (6) as duas capitais, separadas uma da outra por 215 km. Na húngara, o caos de semana passada já estava sob controle, apesar da aglomeração à espera dos trens, ainda mais depois que o governo austríaco indicou a retomada das fronteiras gradualmente.

À beira do trilho, dois papéis estavam colados num mural. Um deles, desenhado à mão, explicava a rota para chegar à Áustria.

Do lado de fora, crianças escreviam cartazes para se despedir de voluntários húngaros que ajudaram a conter a confusão em Budapeste diante da falta de ajuda do governo local, que adotou política contrária à permanência de refugiados e até ofereceu ônibus para cruzarem a fronteira.

Enquanto isso, na estação Westbahnhof (Viena), refugiados e passageiros regulares dos trens se sentavam lado a lado no saguão principal -por causa dos "novos" visitantes, a cobrança de ¬ 0,50 (R$ 2,15) pelo uso do banheiro foi suspensa para todos.

Alguns dos refugiados, principalmente crianças, foram convidados pelos austríacos a almoçar em redes de fast food na estação.

Em Budapeste, um trem partiu às 17h10 (12h10, horário de Brasília) levando para a Áustria os professores Habib Zai e Samir Kali.

Leandro Colon/Folhapress
Em Budapeste, o afegão Habib Zai (centro) espera para embarcar
Em Budapeste, o afegão Habib Zai (centro) espera para embarcar

Zai chegou à Hungria na quarta-feira (2). Não sabia informar de quem recebeu o bilhete para sair de Budapeste. "Não sei quem pagou, só me entregaram."

A expectativa de todos de chegar à Alemanha se mistura à incerteza de como será o futuro no país. Além de professores, não é raro encontrar entre os refugiados pessoas com qualificação profissional elevada, como um engenheiro elétrico que deixou tudo para trás por causa do conflito na Síria (ele que não quis dar entrevista).

O governo alemão estima que deve receber 800 mil pedidos de asilo neste ano, à frente de qualquer outro país europeu. Cada processo, em tese, é analisado individualmente e pode levar meses.

Segundo dados da ONU, pelo menos 340 mil pessoas cruzaram o Mediterrâneo em direção à Europa neste ano, sendo que ao menos 2.500 teriam morrido na travessia.

O cenário já é considerado o maior fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).


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