Folha de S. Paulo


É doloroso, mas temos que dividir a terra, diz ex-vice-premiê de Israel

O advogado Dan Meridor, 68, é considerado um dos "príncipes" da política israelense, da geração que consolidou o Estado que nasceu um ano depois dele próprio. Entre 1982 e 1984, foi secretário de gabinete dos ex-premiês Menachem Begin e Yitzhak Shamir, do partido de centro-direita Likud, hoje no poder com Binyamin Netanyahu. Em 1984, concorreu pela primeira vez ao Knesset (o Parlamento), também pelo Likud.

Em 30 anos de carreira política, foi vice-primeiro-ministro, ministro da Inteligência e da Energia Atômica, da Justiça e das Finanças, entre outros cargos. Moderado, bateu de frente com Netanyahu em seu primeiro mandato (1996-1999), deixando o Likud em 1997 para fundar o Partido de Centro (1999). Em 2003, deixou novamente o Knesset, mas voltou em 2009 ao Likud após ser cortejado por Netanyahu - na tentativa de arrebanhar votos centristas. Em 2013, no entanto, se afastou novamente, junto com outros nomes moderados do partido.

Meridor falou à Folha alguns dias antes de embarcar para o Brasil, a convite da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da Fundação Getúlio Vargas, para participar da conferência "Encontros e Diálogos entre Palestinos e Israelenses", entre 27 e 29 em São Paulo, e 30 no Rio.

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Folha - O senhor está desapontado com os caminhos do Likud?
"Dan Meridor -" Não tenho diferenças em relação ao partido, mas todos conhecem as minhas ideias, que, ao meu ver, são as do Likud clássico. Deixei o Knesset porque a maioria no partido, atualmente, pensa diferente. Minha visão é a de que não podemos manter toda a terra de Israel em nossas mãos pela eternidade porque simplesmente perderíamos a maioria judaica. Nunca acreditei num Estado binacional. Acho que temos que dividir [com os palestinos] esta terra. É muito doloroso, mas repito o que o próprio Netanyahu diz. Posso não concordar com ele em outras coisas, mas ele também fala de dois Estados.

Mas Netanyahu é sincero?
Ele tem repetido isso. No Congresso americano, no Knesset. Sei que não e fácil também para ele. Mas um primeiro-ministro do Likud chegou a essa posição, algo impensável para líderes anteriores como (Menachem) Begin e (Yitzhak) Shamir.

Recentemente, membros da coalizão do Likud fizeram comentários considerados racistas, além de terem criticado a Suprema Corte por ser "esquerdista". O que o senhor acha disso?
Realmente, temos visto o uso de uma linguagem dura que traz à tona racismo, nunca ouvida antes. Por exemplo, o comentário de que uma retro-escavadeira deveria destruir a Suprema Corte [depois que aprovou a destruição de casas ilegais de colonos na Cisjordânia] foi terrível. Escuto um discurso receoso e apocalíptico. As razões são profundas. Tem a ver com o fato de que nós vivemos numa situação que, por natureza, não é uma solução permanente.

Esses comentários não incitam à desobediência civil ou à violência?
Em 1995, depois do assassinato do [ex-primeiro-ministro Yitzhak] Rabin, alguns disseram que todos que haviam feito protestos contra ele eram culpados. Não aceito isso. Rabin era um grande amigo meu, seu assassinato foi um dos piores dias da história de Israel. Mas deveríamos não permitir debate sobre os Acordos de Oslo? Temos que ser maduros o suficiente para deixar que as pessoas se manifestem, mesmo que seja com vozes desagradáveis que dizem coisas dolorosas de escutar. Mas há um limite. Quando há incitamento ao crime, aí não.

Analistas afirmam que há uma radicalização em Israel. Um exemplo seria o fenômeno do "price tag" [vandalismo e ataques contra árabes em reação a atentados contra israelenses e decisões do Supremo, entre outros]. O senhor concorda?
Há duas escolas básicas aqui desde 1967 [quando Israel ocupou os territórios palestinos]. A esquerda, ou as "pombas", diz que se você abrir mão de terra, pode fazer a paz. A direita, os "falcões", diz que temos que ficar lá para manter a segurança. A sociedade israelense está muito frustrada porque as duas visões falharam. O sentimento de que não há uma saída se torna base para que outras ideias, ideologias e convicções, algumas extremistas, venham à tona.

Qual é o papel da religião nesse cenário?
Muitos pensavam que, depois da Revolução Francesa, a religião seria limitada ao âmbito privado. Mas, hoje, há Estados nos quais os evangélicos se tornaram muito importantes politicamente. No Oriente Médio, as nações criadas há cem anos pelo colonialismo europeu estão ruindo e a religião se torna a identidade principal das pessoas. Mas a reintrodução da religião como solução é perigosa porque se torna justificativa para rigidez. "Deus deu essa terra a mim, então não posso dividi-la".

Vemos parte disso na comunidade judaica em Israel?
Sim, mas nada parecido com o nível do mundo muçulmano, com grupos radicais e de regimes religiosos como Estado Islâmico, Hizbollah, Hamas, o regime iraniano. Mas, sim, há a introdução da religião como a única justificativa para políticas, o que não faz parte do paradigma sionista.

Por que houve tão poucos indiciamentos de extremistas judeus até hoje? Existe má-fé nisso?
Há pessoas profanando mesquitas, vandalizando escolas, coisas horríveis. Fico muitas vezes envergonhado. Assim como fico orgulhoso quando um cientista judeu recebe um Prêmio Nobel, fico envergonhado quando um judeu comete um ato de terror. Não sou responsável nem pelo Nobel nem pelo terrorismo, mas sinto algum tipo de responsabilidade. Não acho que é preciso deter todo mundo, mas também não há nenhum motivo para pensar que tem alguém varrendo algo para debaixo do tapete. Não é fácil detê-los. Outros países também passaram por isso. É só lembrar do Baader-Meinhof, na Alemanha, das Brigate Rosse, na Itália, e do Action Directe, na França. O governo deve usar todas as medidas legais e razoáveis.

Até mesmo prisões preventivas de judeus, como as que foram aprovadas depois do assassinato do bebê Ali Dawabshe, de 18 meses, no vilarejo de Duma [Cisjordânia]?
Não fico muito feliz com o uso de prisões preventivas porque, quando os britânicos estavam aqui, um dos detidos foi meu pai, ex-membro do Irgun [organização paramilitar sionista durante o Mandato Britânico na Palestina]. Mas sou a favor quando é totalmente necessário, tanto no caso de judeus quanto no de árabes.

O que o senhor pensa do movimento BDS ["Boicote, Desinvestimento e Sanções"] contra Israel?
Os líderes do BDS são contrários à própria existência do Estado de Israel. Falar com eles não adianta nada. Fico preocupado é com outras pessoas, do bem, que não aceitam a política israelense nos territórios e se unem ao BDS por acreditar que estão fazendo a coisa certa. Mas, na verdade, apoiam quem quer o fim de Israel. Temos que falar com eles, explicar e acima de tudo, agir mostrando que não temos a intenção de ficar nos territórios para sempre.


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