Folha de S. Paulo


Venezuela e Argentina mostram apreensão com desenlace no Brasil

É com preocupação que os países vizinhos têm visto a crise política brasileira.

Na Venezuela, o mais apreensivo, o governo Nicolás Maduro teme perder apoio do país mais poderoso da região em caso de impeachment de Dilma Rousseff.

Evaristo Sá/AFP
Dilma Rousseff e Nicolás Maduro durante reunião de líderes de Estado do Mercosul, em Brasília
Dilma Rousseff e Nicolás Maduro durante reunião de líderes de Estado do Mercosul, em Brasília

Na Argentina, a preocupação recai sobre o efeito da paralisia política na economia, e sobre como isso afeta a produção e o emprego no país.

Caracas propaga a ideia de que Dilma é alvo de uma suposta campanha patrocinada pelos EUA para substituir presidentes esquerdistas na região por conservadores.

"Há ameaças de golpe de Estado no Brasil nos próximos meses", disse Maduro na TV. "Se se atrevem a se meter com o Brasil, o que será do resto?", indagou o presidente, que liderou um tuitaço com hashtags como #LulaDilmaSomosTodos no dia 20.

A argentina Cristina Kirchner segue a mesma linha: há uma conspiração na América do Sul para desestabilizar governos "populares e democráticos". "Tentaram impedir de todas as maneiras que Dilma fosse reeleita", disse, em discurso em rede nacional na última quinta (20).

"Os panelaços têm marca registrada, e sabem de quem é? De uma agência muito importante em um país do Norte e que costuma intervir na política da América do Sul", afirmou, aludindo à CIA.

Adriano Machado/Efe
Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff durante reunião do Mercosul em Brasília
Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff durante reunião do Mercosul em Brasília

Um dos pesos-pesados da política exterior chavista, o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional, Saúl Ortega, disse à Folha que a eventual derrubada do governo Dilma seria uma violação da ordem constitucional que levaria a Venezuela a exigir medidas de retaliação na Unasul, no Mercosul e até na ONU.

"A situação no Brasil não passa de um processo de desestabilização contra Dilma, e a oposição que não conseguiu chegar ao governo pelo voto busca atalhos antidemocráticos que afetam a paz."

Outra governista a defender Dilma é Ilenia Medina, líder do Patria Para Todos.

"Dilma permite que se investiguem denúncias de corrupção, enquanto a direita brasileira, que nasceu da corrupção, sempre tentou escondê-la quando governava", afirmou à Folha. "Presenciei o impeachment de Fernando Collor. Era um mar de gente, diferente dos protestos hoje."

LAÇOS AMEAÇADOS

O apoio explícito de Maduro a Dilma surpreende, já que predomina no meio diplomático a avaliação de que os presidentes não emulam a sintonia de Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva.

A decisão de se pronunciar tão claramente em favor de Dilma expõe o temor de que uma possível mudança em Brasília leve a uma reavaliação total dos laços bilaterais.

Apesar das dificuldades de pagamento, o Brasil é um dos maiores fornecedores de alimentos dos programas sociais venezuelanos. No plano político, o país foi fiador de Maduro em instâncias internacionais diversas vezes.

Setores da oposição venezuelana, por sua vez, torcem silenciosamente pela mudança de governo no Brasil para isolar e enfraquecer mais a presidência de Maduro.

Já na Argentina, a apreensão transcende o governo. Brasileiros são alvo de uma bateria de perguntas sobre corrupção, inquéritos e petrolão vindas do taxista, do garçom e do comensal ao lado.

Embora dois presidentes da Argentina não tenham terminado o mandato desde a redemocratização, em 1983 –Raúl Alfonsín e Fernando De la Rúa–, o argentino em geral não entende o que é um processo de impeachment.

Tanto Alfonsín quanto De la Rúa renunciaram quando perderam o apoio político.

A investigação dos casos de corrupção com empresários e políticos no Brasil produzem no país um misto de admiração e preocupação.

A boa imagem, transmitida sobretudo pela imprensa, mostra um Brasil que investiga e quer punir corruptos.

A preocupação tem base econômica. No primeiro semestre, as exportações argentinas recuaram 18%, e o principal culpado na narrativa oficial é a crise brasileira.

Os principais candidatos a suceder Cristina Kirchner em dezembro se mostram informados sobre a crise vizinha.

Rafael Folonier, responsável pela política externa do governista Daniel Scioli, disse à Folha que Dilma "já passou por situações muito mais difíceis na vida e vai superar esse momento".

Do lado da oposição, o responsável pela política externa do candidato Mauricio Macri (PRO), Diego Guelar, afirmou que a turbulência é um problema interno do Brasil e cabe à Argentina observar e respeitar sua decisão. "Vamos trabalhar bem com quem quer que seja, pois a relação com o Brasil é prioritária."

Ambas as campanhas, porém, esperam que a crise brasileira passe logo, para que a Argentina possa contar com o vizinho na recuperação de sua própria economia após a posse do novo presidente.

Gustavo Marangoni, presidente do Banco Província e aliado de Scioli, também disse esperar solução rápida.

"O que acontece no Brasil, tanto do ponto de vista político quanto no econômico, é fonte de tranquilidade ou de estresse para toda a região", pondera. "Esperamos que supere este momento o mais rapidamente possível."


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