Folha de S. Paulo


Obama quer arrecadar US$ 1 bilhão para biblioteca após deixar o governo

O jantar na sala privativa de refeições no piso superior da Casa Branca estourou tanto o horário que Reid Hoffman, o bilionário criador do LinkedIn, por fim sugeriu, lá pela meia-noite, que talvez o presidente Barack Obama precisasse se recolher.

"Pode nos mandar embora quando quiser", Hoffman recorda ter dito ao presidente.

Mas Obama mal havia começado. "Vou mandá-los embora quando for hora", ele respondeu.

Doug Mills - 15.jun.2015/The New York Times
Barack Obama percorre a Casa Branca; presidente planeja arrecadar US$ 1 bilhão para sua fundação
Barack Obama percorre a Casa Branca; presidente planeja arrecadar US$ 1 bilhão para sua fundação

E a conversa entre Obama, sua mulher Michelle e os 13 convidados do casal —entre os quais a romancista Toni Morrison, o administrador de fundos de hedge Marc Lasry e o executivo de capital para empreendimentos do Vale do Silício John Doerr— se estendeu até bem depois das 2h.

Obama parecia "incrivelmente descontraído", conta outro dos convidados, o jornalista Malcolm Gladwell. Ele recorda que o grupo, que também incluía a atriz Eva Longoria e Vinod Khosla, um dos fundadores da Sun Microsystems, discutiu ideias sobre o que Obama poderia fazer quando deixasse a Casa Branca.

"Onde vamos parar, eu ainda não sei", disse Marty Nesbitt, velho amigo de Obama em Chicago que está comandando o extenso planejamento para a criação da biblioteca presidencial de Obama e de uma possível fundação mundial.

Em público, Obama não revela muitas dúvidas sobre o futuro. Mas está trabalhando para preparar sua pós-presidência, em modo privado, com a mesma disciplina feroz ambição de arrecadação de verbas que caracterizou a campanha que o conduziu a presidência em 2008.

O longo jantar, em fevereiro, foi parte de um esforço metódico que está em curso dentro e fora da Casa Branca, com o presidente, primeira-dama e um quadro de importantes assessores mapeando uma infraestrutura pós-presidencial e uma rede de instituições que pode requerer capital de até US$ 1 bilhão (R$ 3,48 bilhões).

Os assessores do presidente não pediram doações aos convidados depois do jantar, mas alguns dos participantes podem se tornar doadores, no futuro.

O capital de US$ 1 bilhão —o dobro do montante arrecadado por George W. Bush para sua biblioteca e diversos programas— deve ser usado para o que um assessor definiu como uma biblioteca presidencial "primariamente digital", repleta de tecnologias modernas, e para estabelecer uma fundação com alcance mundial.

Partidários instaram Obama a evitar o erro cometido por Bill Clinton, cuja equipe arrecadou só o dinheiro necessário para bancar a construção de sua biblioteca presidencial em Little Rock, no Arkansas, forçando Clinton a dedicar anos em busca de novas doações.

A equipe de Obama estabeleceu o objetivo de arrecadar pelo menos US$ 800 milhões —dinheiro suficiente, segundo eles, para evitar a necessidade de esforços permanentes de arrecadação posteriores. Um importante assessor disse que US$ 800 milhões representava um mínimo, não um limite.

Até agora, Obama arrecadou pouco mais de US$ 5,4 milhões de 12 doadores, cujas contribuições variaram entre US$ 100 mil e US$ 1 milhão.

Michael Sachs, um empresário de Chicago, doou US$ 666.666; Fred Eychaner, fundador de um império televisivo em Chicago, doou US$ 1 milhão.

Mark Gallogly, executivo do setor de capital privado, e James Simons, empreendedor no ramo da tecnologia, doaram cada qual US$ 340 mil à fundação estabelecida para comandar o desenvolvimento da biblioteca.

A verdadeira busca de doações, disseram os dirigentes da fundação, acontecerá depois que Obama deixar a Casa Branca.

Shailagh Murray, uma importante assessora, comanda um esforço na Casa Branca para manter a atenção no futuro de Obama e garantir que seus 17 meses finais na presidência, desconsideradas as possíveis crises, sirvam como plataforma de decolagem para a vida pós-presidencial.

A recente visita de Obama a uma penitenciária federal indica, dizem assessores, uma provável ênfase na reforma do sistema de justiça criminal, depois que ele deixar o posto.

Seu discurso no serviço fúnebre de uma das nove vítimas negras em uma igreja em Charleston, Carolina do Sul, serviu como precursor, eles dizem, de um foco nas relações raciais. A diplomacia com o Irã e Cuba poderia servir como fundação para seu trabalho na política externa.

"O foco dele é concluir o trabalho de maneira completa e cuidadosa", disse Valerie Jarrett, uma das confidentes mais próximas de Obama na Casa Branca.

Mas outros assessores presidenciais dizem que o pensamento de Obama sobre algumas de suas causas mais marcantes –entre as quais a saúde, a desigualdade econômica e o combate à mudança no clima– também pode torná-las parte de sua vida depois de janeiro de 2017.

O coração do planejamento para a pós-presidência é o esforço pessoal de Obama para formar elos com grupos ecléticos de pessoas, algumas das quais extraordinariamente ricas.

JANTARES

Diversos assessores próximos ao presidente dizem que suas longas conversas durante os jantares estendidos —convidados dizem que a bebida predileta dele nessas ocasiões é um martíni extrasseco preparado com gim Grey Goose— os faz recordar as conversas privadas de Obama com doadores e líderes empresariais quando ele estava tentando organizar uma campanha vitoriosa.

Um importante assessor disse que Obama respeitava a decisão de Bush de limitar suas aparições públicas depois de deixar o posto, mas que também admirava o uso agressivo de seu prestígio por Clinton na promoção da agenda que o interessa.

"Minha sensação é que ele será uma combinação dos dois", disse David Plouffe, um dos ex-assessores mais próximos de Obama e membro do conselho de sua biblioteca presidencial.

Em resposta a uma pergunta de Doerr no jantar de fevereiro, o presidente disse aos convidados que queria se concentrar no engajamento cívico e nas oportunidades para os jovens, e pediu ideias aos convidados sobre como fazer o governo funcionar melhor, recordou Hoffman em entrevista.

O presidente perguntou se as redes sociais poderiam melhorar a maneira pela qual a sociedade enfrenta problemas.

Nas conversas com Obama e seus assessores, as pessoas do Vale do Silício e de Hollywood defendem o uso de tecnologia avançada na biblioteca, que ajudaria a difundir a história da presidência de Obama em todo o mundo.

Idealmente, disse um assessor, um queniano, usando óculos de realidade virtual, deveria poder ser transportado ao discurso de Obama sobre a questão racial, na campanha de 2008 em Filadélfia.

Algumas das conversas nos jantares tomaram por foco o papel que Obama poderia desempenhar internacionalmente depois da abertura diplomática com Cuba, o acordo nuclear com o Irã, os confrontos com a Rússia e a retirada das tropas norte-americanas do Iraque e Afeganistão.

Em entrevista ao site Tumblr, no ano passado, Obama foi perguntado o que imaginava que estaria fazendo dentro de dez anos. O presidente pensou por mais de 30 segundos antes de responder, de uma forma que sugeria que ele ainda não definiu uma boa resposta.

"Não pensei no que virá em dez anos", ele disse, oferecendo sua promessa habitual de continuar envolvido nas decisões políticas até seu último dia no Gabinete Oval. "Mas sei o que vou fazer assim que o próximo presidente tomar posse. Estarei na praia em algum lugar bebendo água de coco".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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