Folha de S. Paulo


Nos EUA, executiva se torna arma republicana contra Donald Trump

Nesta semana, Donald J. Trump disse que ouvir Carly Fiorina, a única mulher na competição pela candidatura presidencial entre os republicanos, lhe dá "uma enorme dor de cabeça".

Isso soou como música para os ouvidos de Fiorina.

Durante meses, a ex-executiva da Hewlett-Packard tentou ganhar força com ataques incisivos a Hillary Rodham Clinton.

Scott Olson - 6.ago.2015/AFP
A pré-candidata Carly Fiorina no debate entre republicanos na Fox News no dia 6 de agosto
A pré-candidata Carly Fiorina no debate entre republicanos na Fox News no dia 6 de agosto

Mas a candidatura de Fiorina só começou a vingar após seu desempenho no debate republicano do segundo escalão, na semana passada.

Ali os espectadores perceberam que, como a única mulher em um campo das primárias com 17 candidatos, ela era especialmente qualificada para enfrentar Trump.

Mas esse não é um papel que Fiorina queira necessariamente enfatizar.

"Não gasto muito do meu tempo de campanha falando ou pensando em Donald Trump", disse em uma entrevista na quarta-feira (12). Mas é um papel que adotou com o mesmo fervor que dedicou contra Hillary, a principal candidata do Partido Democrata.

"As mulheres entenderam" como sexista o ataque de Trump à âncora da Fox News Megyn Kelly, quando ele fez referência a um sangramento que muitas pessoas pensaram ser uma alusão à menstruação, segundo disse Fiorina a um sensível apresentador da CNN.

"Muitas vezes os homens sugeriram que eu não era adequada para tomar decisões porque talvez estivesse menstruada. Então eu vou dizer o que a isso, OK?"

Em uma arena republicana lotada, Fiorina fez a crítica mais enérgica e sucinta aos comentários de Trump, o que provocou abalos em um partido preocupado com a possibilidade de estar reforçando a percepção de que se afasta cada vez mais das eleitoras.

Rebecca Cook/Reuters
Protesto em Michigan contra Trump; cartazes dizem 'não meu presidente' e 'sr. ódio, deixe meu Estado
Protesto em Michigan contra Trump; cartazes dizem 'não meu presidente' e 'sr. ódio, deixe meu Estado'

Agora, muitos republicanos em preparação para potencialmente enfrentar Hillary em uma eleição geral, estão vendo Fiorina –uma pessoa que deixou de ser secretária para dirigir a gigante da tecnologia Hewlett-Packard– com outros olhos.

Estão vendo-a como a arma do partido para combater a percepção de que a sigla travando uma "guerra contra as mulheres".

"As pessoas sentem que Carly demonstrou claramente ser uma operadora política muito poderosa, tem muitos pontos fortes em suas convicções e quer enfrentar Hillary –e agora até mesmo Trump– de forma muito direta", disse Katie Packer Gage, uma estrategista política cujo foco principal é auxiliar os republicanos a se conectar com as mulheres.

Indagada sobre estar disposta a desempenhar o papel de garota propaganda fotogênica no campo presidencial republicano, Fiorina disse: "Sei que Hillary Clinton quer tingir todo o Partido Republicano com os comentários de Donald Trump, de forma generalizada, mas para mim não está claro que Donald Trump seja republicano."

Mesmo os republicanos que aderiram a Fiorina nos últimos dias –e que esperam que ela ganhe um lugar no primeiro escalão no próximo debate, em 16 de setembro– concordam, em âmbito reservado, que ela é uma candidata imperfeita.

Uma única campanha anterior, para o Senado pela Califórnia, em 2010, terminou em uma derrota de mais ou menos dois dígitos.

Seu currículo corporativo ficou famoso por conta da sua demissão do cargo de presidente executiva da HP –uma humilhação que Fiorina tenta explicar como o preço da liderança ousada.

Mas não está claro o quanto sua mensagem irá repercutir entre as mulheres.

Certa vez, Fiorina disse que sua experiência provou a obsolescência das barreiras invisíveis e definiu o feminismo como "uma ideologia política de esquerda" que coloca "mulheres contra homens" e é "usada como arma política para vencer eleições".

Na entrevista, Fiorina disse: "Como mulher, me sinto insultada quando ouço alguém falar sobre ´questões femininas`". E acrescentou: "Cada questão é uma questão feminina".

No início da sua candidatura, Fiorina, cujo estilo de liderança empresarial foi descrito como o de um "brigão de rua", mostrou-se ansiosa em criticar Hillary duramente, enquanto outros candidatos hesitaram.

O fato de ser mulher lhe forneceu um escudo contra o que muitos republicanos calcularam que acarretaria repercussões contra um homem que atacasse a democrata tão cedo e tantas vezes.

A atenção rendeu a Fiorina um tipo especial de apoio: doações de republicanos que não a consideravam sua primeira escolha, mas que a viram como uma voz importante em um cenário dominado por homens.

Isso incluiu um "super" Comitê de Ação Política (PAC, por sua sigla em inglês) que vem apoiando o senador Ted Cruz, pelo Texas, e que doou US$ 500 mil (R$ 1,7 milhão) para um "supercomitê" de apoio a Fiorina.

Fiorina disse que sua campanha estava registrando um "pequeno aumento" em doações, embora tenha se recusado a dar detalhes.

No início, ela decidiu terceirizar grande parte do trabalho de campanha que costuma ser caro, como a organização de campo, para um "super PAC" que já arrecadou US$ 3 milhões (R$ 10,4 milhões) de apoio à sua proposta.

A campanha é despojada, sem pesquisadores pagos ou estrategistas de grande envergadura.

Fiorina escreve todos seus discursos, incluindo os petardos contra Hillary, que são repetidos como tópicos de uma apresentação corporativa de powerpoint.

Ela também cuida da sua preparação para os debates.

No debate em Cleveland, disse que Hillary "mente sobre Benghazi" e "mente sobre os e-mails, dois pontos de discussão que repetiu, irritada, em um diálogo pós-debate com o apresentador da MSNBC Chris Matthews.

"Quantos de vocês gostariam de me ver debatendo com Hillary Clinton?", perguntou ela, levantando urros de aprovação em uma parada de campanha na Carolina do Sul, no domingo.

A porta-voz de Hillary Clinton, Jennifer Palmieri, classificou os ataques a Hillary no debate como "particularmente desprovidos de substância".

O otimismo entre alguns republicanos, por terem encontrado sua arma contra a acusação de guerra às mulheres, poderia se mostrar com vida curta.

Um grupo democrático de apoio a Hillary já começou a realizar uma pesquisa sobre a carreira corporativa de Fiorina com o fim de retratá-la como um titã frio e ineficaz.

"Haverá muito mais atenção sobre ela, e Fiorina vai ter que ser convincente de forma um pouco mais detalhada", disse Gage, a estrategista republicana. "Por que ela?"

Traduzido por DENISE MOTA


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