Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Brasil não pode se omitir sobre eleição venezuelana

A saída do Centro Carter da Venezuela é uma tremenda perda para a vigilância democrática em um país que está comendo a democracia pelas bordas e cada vez deixa menos no centro do prato.

É, ademais, uma enorme ameaça à lisura da eleição parlamentar de 6 de dezembro porque priva o mecanismo de monitoramento de um ator com distanciamento e credibilidade suficientes para impedir uma grande farsa.

Por isso, torna-se ainda mais relevante que a diplomacia brasileira leve às últimas consequências o trecho do comunicado oficial sobre o encontro entre os presidentes Barack Obama e Dilma Rousseff, que diz o seguinte:

"Os presidentes reconheceram os esforços do Brasil e da Unasul (União de Nações Sulamericanas) para a promoção do diálogo político na Venezuela e para a realização de eleições legislativas com credibilidade, transparência e monitoramento internacional, em dezembro".

Como o governo Nicolás Maduro já anunciou que não aceita monitoramento internacional, exceto a missão da Unasul no dia da eleição, o comunicado Obama/Dilma fica esvaziado.

Afinal, o país vai realizar eleições após "ter experimentado a pior deterioração da transparência e inclusão eleitoral", como diz Christopher Sabatini, editor do promissor site LatinAmericaGoesGlobal.org e professor adjunto da escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade Columbia (Nova York).

Logo, só a presença pelo menos da Organização dos Estados Americanos no processo eleitoral -todo ele, e não apenas no dia do voto- permitiria dar "credibilidade e transparência" à eleição, como pede o comunicado dos mandatários de Brasil e EUA.

Afinal, o mais elementar sentido comum manda dizer que, em uma eleição justa e livre, não há governo que possa vencê-la quando a inflação é recorde, a violência é a segunda maior do mundo (atrás apenas de Honduras), há desabastecimento igualmente recorde e a previsão da Cepal (comissão ligada à ONU) é de um retrocesso do PIB na altura de 5,5%, depois de outra queda enorme (-4%) em 2014.

Como diz Sabatini, "correndo o risco de soar alarmista, [a eleição] pode ser a última chance" para uma Venezuela polarizada e à beira de se tornar um Estado falido.

A diplomacia brasileira não tem o direito de se omitir nessas circunstâncias.


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