Retirado da Prefeitura de Barcelona e encaixotado em papelão, um busto de bronze instigou, no mês passado, a discussão entre republicanos e monarquistas na Espanha, além de causar atritos entre o governo em Madri e as autoridades da Catalunha.
A imagem do rei Juan Carlos, pai do atual monarca, Felipe 6º, foi baixada por funcionários da administração local. Duas vezes, para garantir boas fotografias.
A retirada do símbolo foi ordem da nova prefeita, Ada Colau, que, com o gesto, foi diretamente às manchetes dos principais jornais do país.
| Josep Lago/AFP | ||
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| Funcionários espanhóis retiram busto do rei Juan Carlos de uma das salas da Prefeitura de Barcelona |
Juan Carlos não é mais chefe de Estado da Espanha, por isso a lei já não obriga que seu busto presida o salão.
Mas o repentino encaixotamento dessa estátua de 34 centímetros desagradou ao governo de Mariano Rajoy, assim como o fato de que ainda não tinha sido substituída pela imagem do atual rei.
A crise está relacionada, mais do que ao bronze, às desavenças entre a nova administração de Barcelona e as autoridades em Madri.
A prefeita Colau, do partido Barcelona en Comú, é ligada a uma nova vertente política, representada pelo partido de esquerda Podemos -cuja onda eleitoral tomou um espaço até então cativo da direita no país nos pleitos municipais de maio.
Também tem papel no embate em torno do busto a crescente tensão entre o governo central e os movimentos separatistas na Catalunha -região encabeçada por Barcelona-, que pede, cada vez com mais intensidade, a sua independência.
Mas a imagem da descida do rei Juan Carlos rumo ao papelão serviu também para incitar a discussão sobre a monarquia na Espanha.
Ainda que a família real tenha imagem positiva no país, acima da dos políticos, há um rol de organizações que contestam o fato de que o cargo de chefe de Estado seja hereditário, e não votado.
A saída do busto foi seguida, nas últimas semanas, por um movimento contrário aos símbolos da monarquia.
Zaragoza trocou o nome de um pavilhão de Príncipe Felipe para José Luis Abós, um treinador de basquete.
Em Montcada i Reixac, um retrato de Felipe 6º foi retirado de um edifício municipal.
De acordo com o jornal local "El País", a revisão levada a cabo em Barcelona contra o excesso de símbolos da monarquia deve mudar o nome de ao menos 16 ruas, praças e espaços públicos.
A administração de Barcelona e o partido da prefeita Ada Colau não responderam aos pedidos de entrevista, tampouco a Casa Real.
PACTO POLÍTICO
"O governo de direita está explorando os cidadãos. A monarquia é cúmplice, é parte do sistema", diz à Folha Juan Armindo Hernández, secretário-geral da Rede Republicana, que promove a ideia de uma república espanhola por meio de debates.
"Os jovens no país querem mais democracia, incluindo a eleição de seu chefe de Estado", diz Hernández. O cargo de rei é simbólico no país, onde quem governa de fato é o primeiro-ministro Rajoy.
Nicolás Sartorius, vice-presidente da Fundación Alternativas e ex-dirigente do movimento político e social Izquierda Unida, não enxerga porém um sentimento antimonárquico generalizado entre a população espanhola.
"Os cidadãos não pensam que a monarquia seja um problema fundamental. Os espanhóis estão preocupados com temas econômicos e sociais, como o desemprego."
Para Sartorius, "não é racional que o chefe de Estado seja determinado por herança". Por outro lado, a coroa espanhola está relacionada a um pacto político específico, e tem sua razão histórica.
A monarquia foi restabelecida na Espanha após a ditadura de Francisco Franco e teve, segundo Sartorius, "um impacto positivo na transição". "Facilitou a chegada da democracia", diz.
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CRONOLOGIA DO REINO DA ESPANHA
1874-1931
Período da Restauração dos Bourbon, a família real espanhola; Alfonso 13 é derrubado em 1931, um ano após o fim da ditadura do premiê Primo de Rivera, apoiado pelo rei
1931-1939
Segunda República espanhola; guerra civil eclode no país em 1936 e termina em 1939, com a vitória das forças de Francisco Franco
1939-1975
Ditadura de Franco; com sua morte, em novembro de 1975, o poder passa ao rei Juan Carlos, neto de Alfonso 13, que inicia a transição para a democracia
2014
Em meio a críticas por sua participação numa caçada na África e acusações de corrupção contra a filha Cristina, Juan Carlos abdica; seu filho assume o trono como Felipe 6º em 19 de junho