Folha de S. Paulo


Fugitivos do Estado Islâmico vivem às margens do Eurotúnel

Na última sexta-feira (31) pela manhã, quatro iraquianos que deixaram o seu país por causa da facção radical Estado Islâmico (EI) conversavam sobre o desejo de um dia chegar ao Reino Unido.

"Vejo só pela televisão", comentou Aram Abdula, 22.

Nunca a vida em terras britânicas pareceu tão perto para os quatro. Eles vivem em Calais, na França, às margens do Eurotúnel, que liga a cidade ao Reino Unido sob o canal da Mancha.

O mais falante deles, Abdula, confidencia que tentou entrar clandestinamente na passagem do túnel na última semana. "Consegui subir num caminhão, escondido, mas fui pego pela polícia logo em seguida, antes de entrar no túnel", conta.

"A Inglaterra é a casa que eu quero. A França não tem dinheiro, emprego. E tenho um tio morando na Inglaterra", diz o jovem.

Leandro Colon/Folhapress
Da esq. para a dir., iraquianos Karwan Aziz, Mohamed Ali, Aram Abdula e Jamal Ali em Calais (França)
Da esq. para a dir., iraquianos Karwan Aziz, Mohamed Ali, Aram Abdula e Jamal Ali em Calais (França)

Abdula, Mohamed Ali, 26, Jamal Ali, 31, e Karwan Aziz, 22, chegaram há dois meses em Calais. Moram hoje em barracas nos acampamentos conhecidos como "jungles", que abrigam em torno de
5.000 imigrantes na cidade francesa.

Os três primeiros contam que viajaram juntos da Turquia à França escondidos na traseira de um caminhão.

Fizeram o trecho de Istambul, na Turquia, a Dunkerque (cidade francesa ao lado de Calais), de 2.300 quilômetros, cruzando praticamente toda a Europa, em nove dias.

"Sem comer nada, só bebendo água", lembra Jamal, o mais velho da turma, fazendo o gesto de beber.

Karwan Aziz veio pelo mar Mediterrâneo -mais um entre os 185 mil que fizeram em 2015 a travessia entre a África e a Europa em botes e barcos precários.

Os quatro iraquianos moravam na região próxima à cidade de Kirkuk, no Curdistão iraquiano, que tem sido alvo constante dos radicais do EI.

Mohamed diz que o pai e o irmão, ambos do Exército curdo (peshmerga), foram mortos em confronto com a facção radical. Abdula perdeu primos e amigos.

SÍRIOS EM FUGA

Eles não são os únicos que estão em Calais por causa do Estado Islâmico.

Outros iraquianos e, sobretudo, centenas de sírios, que deixaram seu país diante do avanço do EI, vivem no acampamento da cidade francesa à espera de uma chance de passar para o Reino Unido.

A presença deles em Calais aumenta a crise da imigração na Europa, mas também simboliza como o Estado Islâmico tem influenciado o fluxo de pessoas para a Europa desde o ano passado.

De acordo com relatório de julho do Acnur, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados, a maioria dos que atravessaram o Mediterrâneo em 2015 é de refugiados de zonas de conflito.

Um terço deles vem da Síria. Afeganistão e Eritreia, dois países que também passam por conflitos internos, aparecem na sequência.

Itália e Grécia são, por motivos geográficos -no sul do continente-, os destinos primários da maioria deles. Muitos seguem viagem de lá para outros países europeus. Segundo a ONU, 7% dos que chegam ao território italiano são sírios, e 5%, iraquianos.

Assim como os quatro iraquianos que vivem em Calais, uma ampla maioria (83%) dos que fazem a travessia para a Europa é de homens - muitos deixam as famílias para trás em busca de emprego para enviar dinheiro de volta ao país de origem.

VANTAGENS DO REINO UNIDO

Afinal, vale a pena arriscar a travessia ilegal da França ao Reino Unido, como querem os imigrantes em Calais?

Os franceses acusam o governo britânico de incentivar a troca ao promover políticas de benefícios sociais e estimular o mercado de trabalho informal, que abre brecha para que se trabalhe sem documentos.

No Reino Unido, quem entra com pedido de asilo pode aguardar num imóvel do governo o resultado do processo. Além disso, recebe de 52 libras (R$ 278) a 72 libras (R$ 385) por semana, dependendo da idade e do estado civil, para despesas com comida e roupas.

Há ainda um auxílio-maternidade de 300 libras (R$ 1.130), além do acesso ao sistema de saúde.

Na França, a média do auxílio no pedido de asilo é de ¬ 80 (R$ 300), além do direito a acomodação.

O desemprego na França está em 10%; no Reino Unido, em 5%.


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