Folha de S. Paulo


Projeto na Argentina prevê punir comentários discriminatórios na rede

Está provocando polêmica na Argentina um projeto de lei que propõe controlar e punir os comentários considerados discriminatórios na internet.

Pela norma, um internauta pode solicitar a retirada de um post que acredita ser ofensivo em uma seção de debates de um jornal ou em uma rede social, por exemplo.

Para especialistas, como Eduardo Bertoni, do Centro de Estudos em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação, a medida nasceu de uma boa intenção, banir textos preconceituosos da rede. Mas a norma abre espaço para que excessos possam se converter em censura.

"Imagine se um político em campanha publica um comentário discriminatório em uma rede social e um leitor, considerando-se ofendido, pede que a informação seja retirada do ar? Ninguém mais saberia do comentário infeliz dele", disse.

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A proposta foi apresentada por deputados governistas e acaba de ser aprovada na Comissão de Direitos Humanos. Mas ainda passará por outras discussões no Parlamento antes de começar a valer.

Os legisladores Remo Carlotto, Diana Conti e Andrés Larroque propuseram atualizar a lei de 1988 que pune a discriminação por cor, raça, sexo, religião e opinião política/sindical. Na reforma, foi incluído o preconceito contra orientação sexual, gravidez, pobreza, trabalho e moradia, entre outros fatores.

A atualização passaria a prever também as ações na internet. Quem for processado pode ser preso por até três anos.

Os parlamentares afirmam que, com a nova norma, os sites devem informar o leitor sobre a proibição de comentários discriminatórios. Eles devem prever ainda um meio pelo qual os internautas possam denunciar posts ofensivos. A decisão de apagar os textos é voluntária do administrador do site.

Caso o leitor ofendido não aceite a decisão, deverá solicitar a retirada do post ao órgão oficial Inadi (Instituto Nacional contra a Discriminação e o Racismo) e à Justiça. Somente um juiz poderia ordenar que o texto seja apagado.

AUTOCENSURA

Segundo Bertoni, a norma deixa em aberto a responsabilidade penal dos administradores dos sites por um comentário de um leitor. No artigo 23, o texto afirma que os que "financiarem ou prestarem qualquer outra forma de assistência a organizações e atividades mencionadas" poderão ser punidos.

"O problema maior é a autocensura. Para evitar o risco [de ser punido], o site pode optar por retirar um conteúdo após qualquer reclamação."

Especialista no tema, Luiz Moncau, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas, afirma que as normas que estão prosperando no mundo tendem a blindar os administradores dos sites para evitar que uma entidade privada possa censurar comentários na rede. Foi assim no marco civil da internet, aprovado no Brasil em 2014.

"Não pode ser um meio de comunicação ou uma plataforma digital quem decide o que é liberdade de expressão para manter ou retirar um comentário do ar", disse ele.

Ao mesmo tempo, Moncau lembra que a internet não é um território livre para delitos. "Racismo, pornografia infantil, calúnia, injúria e difamação são passíveis de punição no Brasil."


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