Folha de S. Paulo


Brasil atendeu a um pedido do Irã ao se abster em voto na ONU

O governo brasileiro atendeu a um pedido de Teerã ao se abster em votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra sobre a situação no Irã, em março deste ano.

É o que revelam telegramas trocados dias antes da votação entre a embaixada do Brasil em Teerã, a sede da chancelaria, em Brasília, e a missão do Brasil junto à ONU em Genebra obtidos pela ONG Conectas por meio da Lei de Acesso à Informação.

Sergio Lima - 23.fev.2012/Folhapress
Dilma Rousseff e o embaixador do Irã, Mohammad Ali Ghanezadeh, na entrega de credenciais em 2012
Dilma Rousseff e o embaixador do Irã, Mohammad Ali Ghanezadeh, na entrega de credenciais em 2012

Em telegrama de 12 de março à sede do ministério, em Brasília, o embaixador do Brasil no Irã, Santiago Mourão, diz que, em encontro no dia anterior, o presidente do Conselho de Direitos Humanos do Irã, Mohammad-Javad Larijani, "solicitou que fosse considerada pelo Brasil a possibilidade de, ao menos, votar abstenção no projeto que será apresentado em Genebra".

"[Ele] afirmou que a eventual mudança de posição do Brasil teria significativo reflexo no tratamento futuro do tema dos direitos humanos em geral, dada a importância e influência do Brasil nos organismos internacionais de defesa e promoção dos direitos humanos", relata o embaixador na mensagem.

A resolução de 27 de março não só expressou "séria preocupação" com violações de direitos humanos apontadas pelo relator especial da ONU para o Irã, Ahmed Shaheed, como prorrogou seu mandato por mais um ano.

Segundo o embaixador Mourão, Larijani assegurou um aumento da cooperação com os organismos internacionais e antecipou que seriam convidados ao país os relatores da ONU "para direitos aos alimentos e à saúde" -ponto usado pelo Brasil depois em sua justificativa.

Em telegrama enviado a Brasília em 16 de março pela embaixadora junto à ONU em Genebra, Regina Dunlop, a diplomata encaminha o texto da resolução que será votado -e que, segundo ela, "tem teor idêntico ao da última resolução sobre o assunto (...) acrescido de pequenas atualizações"- e pede "instruções" a Brasília. O Brasil havia apoiado este texto anterior, de março de 2014.

Em nota, o Itamaraty justificou a abstenção em março passado afirmando que "o compromisso renovado do Irã com o sistema de direitos humanos deve ser reconhecido". O governo brasileiro destacou se preocupar com o "aumento no número de execuções no Irã, seguindo a aplicação da pena de morte", mas disse esperar "ver ainda mais cooperação do governo iraniano" com resoluções e iniciativas do Conselho de Direitos Humanos.

MUDANÇA

A abstenção marcou uma mudança na posição que vinha sendo adotada pelo Brasil desde o início do governo Dilma Rousseff, em 2011.

No fim do governo Lula, quando já tinha sido eleita, Dilma chegou a criticar em entrevista ao "The Washington Post" a abstenção do Brasil, um mês antes, sobre uma resolução da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, que pediu o fim do apedrejamento no Irã e o condenou como forma de punição.

Nas três votações das quais havia participado em Genebra desde então (2011, 2013 e 2014), o Brasil apoiou resoluções que ressaltavam a preocupação com violações de direitos humanos no Irã.

Um dos quatro telegramas aos quais a reportagem teve acesso encaminha a Brasília um relatório do governo iraniano sobre os avanços apontados por Teerã no respeito aos direitos humanos no país.

Para o iraniano-americano Mani Mostofi, diretor da ONG Impact-Iran, no entanto, o documento aponta como progressos passos controversos, como a criação do novo código penal islâmico, de 2013, que segue considerando como crimes, por exemplo, "atos homossexuais".

"Se o governo brasileiro tivesse lido os relatórios de Shaheed, veria que eles mostram uma falta de progresso no Irã, que a situação segue num nível crítico e que é preciso a atenção internacional", diz Mostofi.

Para Camila Asano, coordenadora de política externa da Conectas, o mais grave da mudança do Brasil é que os telegramas mostram que ela foi feita com base em "promessas" de Teerã, como o convite a relatores da ONU para que visitem o país.

"Se você vai fazer uma mudança de voto significativa como essa, ela precisa ser feita em cima de uma análise muito cautelosa de que a situação de direitos humanos teve uma melhoria, e não em cima de uma promessa", diz.

"E o que estava em jogo era a renovação do mandato do relator. Quando o Brasil se abstém, ele manda uma mensagem de que não apoia a manutenção dele", pontua Asano. "Se outros países-membros tivessem votado da mesma forma que o Brasil, talvez esse relator não existisse mais."

Os quatro telegramas fazem parte de um conjunto de oito mensagens trocadas sobre o tema entre os três postos brasileiros. Os outros quatro não foram repassados pela Lei de Acesso por terem sido classificados como "reservados".

A ONG entrou com dois recursos junto ao Itamaraty e um junto à CGU (Controladoria Geral da União), mas teve o acesso negado. A Conectas promete agora recorrer à Comissão Mista de Reavaliação de Informações, órgão colegiado composto por dez ministérios.

"Queremos entender o que mais orienta o Brasil com relação a esse voto", disse Asano.

SÍRIA

Na mesma sessão em que se absteve sobre o Irã, em março, o Brasil também se absteve ante uma resolução sobre violações na Síria. No início deste mês, contudo, o país votou a favor de um novo texto sobre o tema em Genebra.

Segundo o Itamaraty, a mudança no voto foi justificada porque a resolução de julho "apresenta maior equilíbrio em comparação à resolução adotada na última sessão". O novo texto não deixa a condenação limitada a grupos específicos, mas a estende a quem cometer violações no conflito sírio.

A mudança na posição brasileira gerou críticas e levou o chanceler Mauro Vieira até a Comissão de Relações Exteriores do Senado para dar explicações sobre as abstenções nas resoluções sobre o Irã e a Síria.

Na próxima terça (14), a Comissão de Relações Exteriores da Câmara fará uma audiência pública para debater o tema, com representantes do Itamaraty, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência e da Conectas.


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