Folha de S. Paulo


Análise

Dilma virou a página e não voltará à ira

Se alguém espera uma reação do governo brasileiro às novas informações sobre grampos americanos idêntica à de 2013, quando surgiram as primeiras revelações de espionagem, vai esperar o resto da vida.

Primeiro porque a espionagem revelada há dois anos atingia o mais alto nível da República, a própria presidente.

Era um insulto que precisava ser respondido à altura, sob pena de desmoralizar Dilma Rousseff e o seu governo.

Roberto Stuckert Filho-29.jun.15/Presidência da República
Dilma Rousseff passeia com Barack Obama pelo memorial a Martin Luther King em Washington
Dilma Rousseff passeia com Barack Obama pelo memorial a Martin Luther King em Washington

Se os Estados Unidos se dispunham ao máximo (vigiar a presidente), é evidente que também se disporiam a olhar para o andar abaixo dela (seus embaixadores, altos funcionários etc).

A reação agora terá, logicamente, que ser mais branda, à altura do menor nível dos espionados.

Mas, acima de tudo, à altura também ou principalmente de uma inflexão, embora sutil, na política externa, que passa a privilegiar os aliados mais tradicionais (caso específico dos Estados Unidos), sem desprezar os novos amigos, para usar a linguagem cautelosa do Itamaraty.

Depois de que os dois governos declararam, há pouquíssimos dias, que o episódio da espionagem de 2013 é "página virada", que sentido teria retornar a ela agora?

Se a única "agenda positiva" para Dilma, nos últimos muitos meses, foi exatamente o bom resultado de sua viagem aos Estados Unidos, que sentido teria deletá-la com uma reação irada?

Complicar o relacionamento com Washington contrariaria, além disso, dois dos ministros que mais estão trabalhando em agendas positivas, o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, e a da Agricultura, Kátia Abreu.

São eles que mais empurram o governo para acariciar Washington. E podem, melhor ainda, exibir resultados positivos (a liberação da importação de carne e um acordo de facilitação do comércio).

Quem, internamente, aplaudiria Dilma se resolvesse engrossar de novo a voz com os Estados Unidos? Só os setores de esquerda, inclusive os do PT, que, de todo modo, não aceitam a política econômica, o que os impede de reaproximar-se da presidente.

Não custa lembrar por fim que quase dois terços dos brasileiros (63% exatamente) confiam nas posições que o presidente Barack Obama adota em política internacional, conforme recente pesquisa do Pew Research Center.

É óbvio que espionagem faz parte dessa política.

Encrencar com ela, portanto, não faria bem para a popularidade da presidente, tão baixa no momento que tudo que ela dispensa é atrito com quem quer que seja.


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