Folha de S. Paulo


Descendentes de americanos celebram EUA do século 19 no interior de SP

Todo ano, ao final de cada Festa Confederada, em Santa Bárbara d'Oeste (135 km de São Paulo), Nanci Padoveze, 64, repete aos amigos a frase: "Em algum lugar daqui eu vou estar no ano que vem. Ou deste ou daquele lado".

A incerteza de Nanci é sobre se participará da confraternização na área social -onde os participantes dançam vestidos como no século 19 e cantam canções tradicionais- ou se estará no cemitério anexo, ao lado do pai.

Edilson Dantas/Folhapress
Descendentes de americanos vindos para o Brasil depois da Guerra da Secessão se instalaram na região e se reúnem todos os anos
Descendentes de americanos vindos para o Brasil depois da Guerra da Secessão se instalaram na região e se reúnem todos os anos

A festa reúne descendentes daqueles que deixaram os EUA após a derrota do sul agrário e escravista para o norte industrial na Guerra de Secessão (1861-1865). Com incentivo do governo brasileiro, Santa Bárbara recebeu cerca de 3.000 americanos de 1866 a 1868. A imigração acabou dando nome à cidade vizinha de Americana.

Mais que celebrar o passado, o evento, cuja 27ª edição reuniu 2.300 pessoas em abril, angaria fundos para manter o Cemitério do Campo, central na vida dessa comunidade.

Segundo a Fraternidade Descendência Americana, associação fundada em 1954 e que organiza a festa, o cemitério foi criado por um coronel que, em 1867, não pode enterrar a mulher, protestante, nos cemitérios católicos da região. O local "une gerações", diz o engenheiro agrônomo Marcelo Dodson, 41, que preside a fraternidade. Para Alcides Gussi, antropólogo que pesquisou, na Unicamp, a comunidade de Santa Bárbara, trata-se de um espaço em que a morte não se opõe à festa.

BANDEIRA

A recriação da atmosfera da época durante a festa é feita com o uso de fantasias. Responsável por elaborar as roupas, Nanci, que nunca foi aos EUA, diz ter se baseado em filmes como "... E o Vento Levou" (1939).

Os descendentes dos sulistas também usam em suas festas a controversa bandeira dos Estados Confederados.

Alvo de polêmica histórica, a peça, que para muitos americanos não pode ser dissociada do período escravista, voltou a ser discutida após aparecer em fotos de Dylann Roof, o atirador branco que matou nove pessoas numa igreja da comunidade negra em Charleston, Carolina do Sul.

A Fraternidade Descendência Americana se esforça para evitar o estigma racista.

Desde 2011, quando um grupo de neonazistas foi à Festa Confederada e provocou uma briga, a entidade passou a controlar com mais rigor a entrada de pessoas no evento. Mas não cogita abandonar a bandeira.

"Ela representa, para nós, a redenção e o recomeço dos nossos ancestrais. É o elo com o nosso passado. Não temos vergonha disso", diz Dodson.


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