Folha de S. Paulo


Minha História: advogada brasileira defende imigrantes nos EUA

A advogada brasileira Natália Santanna, 30, vive nos Estados Unidos desde os 18 anos e trabalha com direito de imigração. Ela faz defesa voluntária de famílias de imigrantes não documentados, que fogem da violência na América Central e são colocadas em centros de detenção no sul dos EUA.

Santanna relata o que viu em sua visita a um desses centros, no Estado do Novo México. Leia abaixo o seu depoimento.

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Arquivo pessoal
A advogada brasileira Natalia Santanna, 30, que vive nos EUA desde os 18 anos e trabalha com direito de imigração
A advogada brasileira Natalia Santanna, 30, que trabalha com direito de imigração nos Estados Unidos

Foi no verão de 2013 que percebi o que estava acontecendo.

Começaram a surgir notícias de que milhares de imigrantes, muitos deles menores de idade, estavam fugindo da violência na América Central e procurando refúgio nos EUA. Quatro dos cinco países com maiores taxas de homicídios estão na América Central. Essas pessoas vinham de Honduras, Guatemala e El Salvador e fugiam devido a ameaças de gangues, problemas com droga, violência doméstica.

Desde então, a situação só tem piorado. Em 2014, os números duplicaram: cerca de 61 mil famílias atravessaram a fronteira, mais de 51 mil menores não acompanhados.

No verão passado, quando chegou a resposta do governo a essa crise, fiquei muito desapontada. O presidente Barack Obama decidiu retomar a detenção de famílias.

A maioria dessas pessoas foi levada para um novo centro de detenção em Artesia, no Novo México. Em vez de analisarem com cuidado cada pedido de asilo, estavam deportando crianças e mulheres. Nas primeiras cinco semanas em que o centro funcionou, deportaram 200 pessoas. Para muitas, o regresso era uma sentença de morte. Foi um choque perceber que o governo americano estava fazendo algo assim.

Pertenço ao capítulo de San Francisco da American Immigration Lawyers Association (AILA) e recebi um e-mail dizendo que estavam organizando um grupo de voluntários para defender esses imigrantes. Sempre fiz trabalho voluntário e ainda aceito clientes "pro bono". Decidi que tinha de ir.

Chegamos a Albuquerque no dia 12 de outubro. Éramos um grupo de dez advogados. Dirigimos cinco horas até Artesia, que fica longe de tudo. Fomos logo para a orientação, onde conheci Vanessa Sischo e Christina Brown, as duas advogadas que coordenam o trabalho dos voluntários. Explicaram o que tínhamos de fazer.

Um dos maiores problemas dessas pessoas é que, além de não falarem a língua, não têm dinheiro para um advogado. Nosso trabalho era parar as deportações, preparar os pedidos de asilo e conseguir que o juiz as deixasse esperar pela resposta em liberdade, depois de pagarem uma caução.

No dia seguinte, as 6h45, nós nos reunimos com os agentes de imigração. O centro era como uma pequena cidade de trailers de metal, mas é na verdade uma penitenciária, com arame farpado, pontos de controle, muita segurança. Passamos por um laguinho sujo, com mosquitos, e um dos agentes brincou: "Aqui é o resort".

Levaram-nos até o local onde íamos encontrar as famílias. Nunca tinha visto nada assim. Eram apenas mulheres e crianças. Não estavam habituadas à comida que lhes serviam e por isso estavam magras. Muitas crianças estavam doentes. Tinham gripe. Estavam apáticas. Nunca tinha visto crianças assim. Segundo a lei, o governo tem de garantir que vão à escola, mas isso não acontecia.

Nunca nos deixaram ver o lugar onde as famílias viviam. Falávamos com elas numa sala vazia, apenas com mesas e bancos de metal. Sentei-me e ouvi as historias de dezenas de mulheres. Atendi entre 10 a 12 casos por dia. Não havia privacidade. Os agentes estavam sempre ouvindo as conversas.

É difícil estabelecer confiança com alguém nessas condições, quando têm de partilhar coisas muito privadas, como violações, ameaças, agressões.

Uma das mulheres que ouvi fugira da Guatemala com três crianças, um menino de 11 anos, uma menina de quatro e um bebê com menos de um ano. Tinha sido ameaçada por um gangue. Era uma das primeiras pessoas que tinha chegado ao centro. Já lá estava há três meses.

Quando fomos ao tribunal, disseram-nos que não tinham intérprete naquele dia e adiaram novamente. Ela não percebeu o que disseram, porque tinham falado em inglês. Quando expliquei, começou a chorar.

Outra mulher que representei, de Honduras, tinha um menino de quatro anos, que estava doente, não parava de tossir. Ela era vítima de violência doméstica. O companheiro abusava dela todos os dias. Quando ela tentou separar-se, ele ameaçou matá-la. Ela foi à polícia, mas disseram que não podiam fazer nada. Fugiu.

Fiquei uma semana no centro. Vim embora com a sensação de que há muito mais para fazer. Sabia que teria de voltar.

FAMÍLIAS DESTRUÍDAS

Sou de São Roque (SP) e vim para os EUA com 18 anos. O meu pai já morava aqui, em Detroit (Michigan). Meus irmãos vieram mais tarde. Agora vivo em Oakland (Califórnia).

Tenho um escritório que trabalha em direito de imigração. Vejo famílias inteiras serem destruídas por causa de deportação. As leis de imigração dos EUA estão falidas. Precisamos de uma reforma, mas não acredito que aconteça no mandato do presidente Obama.

No início do ano, o governo fechou o centro em Artesia, mas abriu um novo em Dilley, no Texas. As condições são melhores, mas muitos dos problemas continuam. Vou para lá como voluntária. É um trabalho realmente importante. Acho que estamos fazendo a diferença.


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