Folha de S. Paulo


Especialistas questionam papel decisivo de derrota de Napoleão

A derrota do imperador francês Napoleão Bonaparte (1769-1821) na batalha de Waterloo, há 200 anos, terminou mais de duas décadas de guerra na Europa e ao redor do mundo. Até o Brasil foi decisivamente afetado, com a migração da família real portuguesa ao Brasil em 1808.

Mas aquela que é considerada uma das mais decisivas batalhas de todos os tempos não foi bem isso. Tanto faz se significou o fim de uma era ou o começo de outra.

Waterloo, em junho de 2015, perpetuou o mito de que uma batalha decisiva pode ganhar uma guerra, criando uma falácia que ajudaria a impulsionar às terríveis guerras da metade final do século 19 (a Guerra Civil americana, a Guerra do Paraguai, a Guerra Franco-Prussiana) e os dois gigantescos conflitos mundiais do século 20.

O historiador americano Russell Weigley (1930-2004) escreveu um livro clássico sobre a era que teria supostamente terminado com a derrota francesa de 1815, "A Era das Batalhas""A Busca da Guerra Decisiva, de Breitenfeld a Waterloo", de 1991. O período começaria durante a guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que devastou boa parte da Europa, e terminaria com o fim da epopeia napoleônica –que fez praticamente o mesmo.

"A guerra entre 1631 e 1815 girava em torno de batalhas em grande escala porque nessa era, mais do que em qualquer outra, circunstâncias econômicas, sociais e tecnológicas permitiram concentrar massas de dezenas de milhares de soldados em um único campo para o teste da batalha", escreveu Weigley.

Como ele demonstrou em sua obra seminal, nada havia de decisivo nas batalhas que costumam ser chamadas de "decisivas". Seus custos materiais e humanos não diferem muito do que acontecia antes ou depois.

William Mur/Editoria de Arte/Folhapress

"Essa indecisão tomou formas diferentes nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial ou dos raides guerrilheiros e contra-raides do Vietnã", afirmou Weigley. Apenas o drama intrínseco a uma grande batalha distraía a atenção para a sua falta de decisão. Afinal, Waterloo aconteceu depois de duas décadas de conflito incessante.

Outro historiador ilustre tem visão semelhante. Segundo o alemão Gunther Rothenberg (1923-2004), Napoleão obteve muitas "vitórias brilhantes", mas apenas três delas –Austerlitz, Friedland e Wagram– forçaram seus adversários a propor a paz. O resultado durou poucos anos. Reforçados militarmente, com novos aliados, os inimigos voltaram à carga.

Napoleão teve seus anos de glória entre 1805 e 1809. Explorou como ninguém os maiores recursos disponíveis no seu tempo –mais homens, mais comida, mais metais, melhores estradas e mapas. Se no início das guerras revolucionárias os franceses e seis inimigos colocaram cerca de 100.000 homens no campo de batalha de Valmy (1792), em Leipzig (1813), o total combinado chegava a um milhão de soldados.

Era em grande parte uma questão de tempo até a exausta França, lutando contra a maior parte da Europa, jogar a toalha. Foram quase um milhão de franceses mortos nas guerras da Revolução e de Napoleão; as campanhas do imperador mataram um em cada cinco franceses nascidos entre 1790 e 1795.

Napoleão Bonaparte, com certeza o francês mais famoso de todos os tempos, ainda assombra seu país. Há os que lamentam a miséria e as mortes que ele provocou; há os saudosos do mito e da glória. Muitas estações de metrô em Paris levam nome de batalhas (não há nenhuma Waterloo).

Explicar a batalha sempre foi popular entre historiadores militares. "Essa campanha na Bélgica foi fatal a Napoleão, e numerosos são os historiadores que procuraram as razões dessa derrota", diz o historiador francês Dimitri Casali, especialista no Primeiro Império e autor de um livro recentemente publicado sobre a batalha.

Teria sido a falta de apoio do marechal Grouchy? Ou os prematuros ataques de cavalaria do marechal Ney? Ou a saúde debilitada do imperador? A discussão é eterna.


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