Folha de S. Paulo


Análise

Francisco ecoa escalada de anúncios globais sobre clima

A esperada encíclica ecológica do papa Francisco faz parte de uma escalada de anúncios com potencial para impedir que a Conferência de Paris, em dezembro, seja um fracasso do porte de Copenhague seis anos antes, quando não houve acordo internacional para combater a mudança climática.

A COP-21, reunião de quase 200 países integrantes da Convenção do Clima da ONU (1992), se realizará na capital francesa para escrever um tratado que substitua o Protocolo de Kyoto (1997).

Empacada há anos, a negociação visa um acordo multilateral para cortar as emissões de carbono (gases causadores do efeito estufa) e manter o aquecimento global no limite de segurança de 2°C neste século.

Nesses 23 anos, as tratativas involuíram. Da pretensão de se estabelecer metas nacionais vinculantes (com força de lei) de cortes de emissão se retrocedeu para compromissos voluntários, que cada país cumprirá se e como quiser. Menos de meia centena já os apresentou, como EUA e União Europeia. Os objetivos até aqui cobrem só 32% das emissões mundiais.

Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, tomou a dianteira para motivar governos nacionais a formularem compromissos mais ambiciosos. Convocou para setembro de 2014 uma Cúpula do Clima, como sempre dominada pela retórica e sem promessas que possam ser cobradas.

Além de uma marcha com cerca de 400 mil pessoas, produziu-se à margem da cúpula uma Declaração de Nova York sobre Florestas.

O documento pedia desmatamento zero em 2030, mas foi rejeitado pelo Brasil, que tem a maior extensão de florestas tropicais.

Menos de dois meses depois, em novembro, EUA e China –duas potências sempre às turras nas conferências do clima– surpreenderam com um anúncio conjunto de metas para reduzir emissões de carbono.

Os americanos prometeram cortar 26% a 28% até 2025, tomando por base 2005. Os chineses, maiores emissores mundiais, se limitaram ao compromisso de reduzir a poluição climática após 2030.

A notícia mais animadora, porém, viria meses depois. Em 2014, a China já consumira 2,9% menos carvão (sua principal fonte de energia), mesmo com sua economia crescendo 7,4%. Nos próximos dias o gigante asiático deve anunciar os compromissos que levará a Paris.

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), pela primeira vez em 40 anos, a economia mundial viu suas emissões de carbono em 2014 se desacelerarem, até parar, sem haver uma retração.

Ao contrário, o PIB mundial cresceu no ano passado.

RENOVÁVEIS X CARVÃO

Com base nessa tendência, a IEA publicou relatório nesta segunda (15) prevendo que energias renováveis suplantarão o carvão na geração de eletricidade em apenas 15 anos. De cerca de 20%, passarão a mais de 33% da matriz elétrica global.

O mundo caminha para a "descarbonização", termo empregado também de forma pioneira no comunicado da reunião do G7, há uma semana, como objetivo a ser cumprido até o final deste século.

Embora seja uma declaração simbólica, que ainda falta se traduzir em medidas concretas, representa um alerta para a indústria dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural).

Veio logo após o anúncio, pela Noruega, de que seu fundo soberano de US$ 940 bilhões ( R$ 3 trilhões) deixaria de investir em companhias dependentes de carvão.

O papa Francisco não está sozinho nessa cruzada.


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