Folha de S. Paulo


Republicano Rand Paul usa debate sobre espionagem em campanha

Com sua campanha presidencial vacilando, o senador Rand Paul, republicano do Kentucky conhecido pela forte inclinação libertária e pela tendência ao dramático, estava ciente, domingo, de que tinha de colocar em prática o seu slogan "Stand with Rand" [erga-se, ou resista, com Rand].

Ele tinha de bloquear no plenário do Senado a votação de uma prorrogação dos vastos poderes de vigilância que o governo vem empregando desde os ataques de 11 de setembro de 2001. Foi uma tarefa que ele executou com gosto e com sucesso, ao menos temporário.

A semana que culminou com o confronto no plenário não foi boa para Paul.

A elite republicana se mobilizou em uníssono depois que ele responsabilizou a linha dura do partido pelo nascimento do Estado Islâmico (EI).

As câmeras da C-SPAN, a rede de TV pública norte-americana, apanharam um dos integrantes dessa linha dura, o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, revirando os olhos zombeteiramente no Senado enquanto Paul denunciava o Estado de segurança nacional que se desenvolveu depois do 11 de Setembro.

Uma pesquisa de opinião pública da Quinnipiac, lançada na semana passada, mostrava Paul liderando, por pequena margem, o segundo escalão dos aspirantes republicanos à Presidência, atrás dos cinco primeiros colocados -entre os quais azarões como o ex-governador Mike Huckabee, do Arkansas, e o neurocirurgião aposentado Ben Carson.

Por isso não foi surpresa que Paul tenha tomado o palanque do Senado na noite de domingo em uma tentativa de cumprir sua promessa de que bastava um senador para garantir que a seção do Patriot Act usada pela Agência Nacional de Segurança (NSA) para recolher vastos volumes de dados telefônicos expirasse à meia-noite.

"As pessoas que argumentam que o mundo vai acabar e seremos derrotados pelos jihadistas estão tentando usar o medo", alertou Paul. "Pouco a pouco, permitimos que nossa liberdade se esvaísse".

Por boa parte da rara sessão dominical no Senado, ele se manteve distanciado dos demais senadores, vestindo calças claras, um blazer azul e sapatos de camurça, em companhia de dois deputados federais que pensam como ele, Justin Amash, republicano do Michigan, e Thomas Massie, republicano do Kentucky.

Depois que Paul foi contrário a um pedido de Mitch McConnell, o outro senador do Kentucky e líder da maioria republicana na casa, de prorrogar por duas semanas duas autorizações de vigilância que não são muito controversas, McConnell criticou a campanha de "demagogia e desinformação" de seus oponentes. Paul se manteve sentado, impassível, no canto do plenário.

Na verdade, a ação de Rand só serviu para postergar a aprovação do USA Freedom Act, que restringe a autoridade de coleta de dados do governo, mas do ponto de vista de Paul não o bastante. As objeções de um único senador podem complicar os obstáculos legislativos que um projeto de lei enfrenta, mas se houver prazo suficiente não bastam para impedi-lo.

Ainda assim, o domingo foi o momento de Paul. A galeria de visitantes estava lotada de partidários vestindo camisetas vermelhas com o slogan "stand with Rand".

"Ele é com certeza o principal mensageiro desse movimento", disse Massie, em tom de admiração. "O senador Paul colocou a questão em pauta nacionalmente".

Há mais de uma semana, os imperativos de trabalho legislativo e de campanha do senador estão completamente alinhados.

Quando ele discursou durante 10 horas e meia no plenário do Senado, na quarta-feira, para postergar o debate de uma prorrogação do Patriot Act, seus e-mails de campanha e conta no Twitter instavam os partidários de sua candidatura a postarem fotos diante de telas que mostravam o desempenho do senador na C-SPAN.

E sua campanha enquanto isso promovia a venda de adesivos, camisetas e porta latas de cerveja.

O America's Liberty PAC, comitê de ação política que apoia as ambições de Paul à Casa Branca, produziu um vídeo para a Internet que mostrava o duelo no plenário do Senado como uma prova de "monster trucks". "A briga pela liberdade, este domingo, domingo, domingo", o narrador gritava.

A campanha de Paul violou uma norma explícita do Senado com um vídeo que mostrava trechos extensos de discursos do senador no plenário, um uso político proibido desse tipo de imagem, especialmente em esforços de arrecadação de fundos.

"Houve um excesso de pose política e de promoção de uma cruzada ideológica, e isso distorceu o debate sobre a questão", declarou John Brennan, o diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), domingo, em entrevista no programa "Face the Nation", da rede de TV CBS.

O protesto de Paul contra o programa de vigilância sem dúvida solidificou sua posição na ala libertária do Partido Republicano, que apoiou seu pai, Ron Paul, na campanha presidencial deste em 2012. Os libertários são um público exigente, mesmo quando sua posição se opõe à do resto de seu partido e do país. Acreditam em governo mínimo, responsável apenas pela defesa nacional e nada mais.

Paul parece ter decidido que precisa se esforçar para manter o apoio desse grupo.

"Há um grupo de nós que representamos uma nova geração de republicanos, muito preocupados com as liberdades civis, e queremos desenvolver o Partido Republicano; Paul nos influenciou muito", disse Amash, que adota uma postura ainda menos transigente que a de Paul,

Mas a manobra individual foi uma grande aposta. Paul passou mais de um ano tentando se aproximar de McConnell, buscando reforçar sua posição junto à elite do partido. Uma série de discursos sobre política externa parecia ter por objetivo atenuar o medo de que Paul na presidência viesse a reduzir o apoio norte-americano a Israel. Paul parecia estar tentando se reaproximar da ala da segurança nacional em seu partido, liderada pelo senador John McCain, do Arizona, que certa vez definiu o colega como "um sujeito amalucado".

Agora, parece que todos esses esforços foram vãos.

McCain e Paul trocaram farpas a noite toda no plenário do Senado, domingo. Pouco depois que a sessão foi aberta, o senador Dan Coats, de Indiana, estava alertando sobre os perigos que o país enfrentaria, sem a vigilância, e Paul tentou interferir. McCain rebateu, zangado: "Quero ordem. O senador do Kentucky precisa aprender as regras do Senado".

A altercação foi a continuação de uma batalha que durou a semana toda. Na quarta-feira, Paul declarou no programa "Morning Joe", da MSNBC, que "o EIIL existe e ganhou força por causa da linha dura de nosso partido, que distribui armas indiscriminadamente, e a maioria dessas armas terminou capturada pelo EIIL". Isso atraiu denúncias de todos os quadrantes do Partido Republicano, por exemplo do governador Scott Walker, do Wisconsin, outro dos pré-candidatos do partido à presidência, e do colunista conservador Charles Krauthammer.

O revirar de olhos de Graham serviu como momento cômico, mas levou Paul a abrir fogo contra seus críticos, especialmente McCain.

"Domingo, vou enfrentar os apologistas do Estado espião. Precisarei de toda ajuda e apoio que puder", ele escreveu aos seus partidários na quarta-feira. "Infelizmente, parece que o presidente, o senador sênior do Arizona e outros membros da bancada do revirar de olhos não conseguem suportar qualquer menção à Carta de Direitos, e todos estão operando com a mesma tática".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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