Folha de S. Paulo


Aumentam temores de genocídio da etnia rohingya em Mianmar

Os rohingyas são considerados pela ONU uma das minorias étnicas mais perseguidas do planeta. Agora, entidades internacionais e agentes humanitários advertem que a minoria muçulmana vive uma ameaça real de genocídio no Sudeste Asiático.

Para Andrea Gittleman, do Centro de Prevenção de Genocídio no Museu Memorial do Holocausto nos EUA, a perseguição sistemática é similar à que antecedeu os genocídios em Ruanda e Srebrenica (Bósnia-Herzegóvina).

"Comparamos elementos que costumam anteceder casos de genocídio, atrocidades ou limpeza étnica. Esses sinais iniciais estão amplamente presentes em Mianmar", diz. "Nesse estágio, um pequeno incidente pode desencadear violência em massa."

Originários do noroeste de Mianmar, os rohingyas são considerados imigrantes ilegais em seu próprio país.

Lei aprovada pelo Parlamento em 1982 reconheceu 135 etnias nativas da Birmânia, nome pelo qual o país era conhecido, mas retirou a cidadania de 2 milhões de rohingyas por considerá-los etnia implantada durante a colonização britânica, que trouxe milhares de trabalhadores muçulmanos de Bangladesh.

Mas historiadores apontam como origem dos rohingyas uma região que superava fronteiras modernas e incluía áreas de ambos os países.

EXCLUÍDOS

Por serem apátridas, os rohingyas são proibidos de votar e frequentar escolas públicas. Não podem trabalhar e necessitam de permissões custosas, normalmente obtidas por suborno, para se locomover, receber atendimento médico, casar ou ter filhos.

No norte do Estado de Rakhine, onde se concentram, a lei os proíbe de ter mais que dois filhos e os obriga a realizar trabalhos forçados.

Desde 2009, a situação piorou, com gangues budistas inflamadas pela retórica de monges nacionalistas atacando os muçulmanos e incendiando suas casas e lojas.

Em 2012, na onda de violência em Rakhine, centenas de rohingyas foram mortos a machadadas ou queimados e enterrados em valas comuns.

Em Sittwe, a capital do Estado, praticamente todas as casas de rohingyas foram incendiadas. Moradores citam a participação de forças de segurança e de autoridades.

Mesquitas foram destruídas ou convertidas em templos budistas, e os poucos rohingyas que sobraram foram confinados aos guetos.

A poucos quilômetros do centro, campos de refugiados abrigam 120 mil deslocados internos –nos 58 campos de Rakhine mantidos pelo Acnur, agência da ONU para refugiados, são mais de 140 mil.

Proibidos de sair, vivem sem acesso a tratamento médico básico, alimentação e água em volume adequado. "The New York Times" classificou os locais de "campos de concentração do século 21".

ÊXODO

A violência tem feito milhares de rohingyas fugirem em botes sem rumo, perecendo de fome, sede e insolação.

Segundo Andrés Ramirez, representante do Acnur no Brasil, 88 mil pessoas, na maioria rohingyas de Mianmar e Bangladesh, tentaram atravessar a baía de Bengala desde 2014. Os botes que chegam a Bangladesh, Tailândia ou Malásia frequentemente são escoltados de volta a águas internacionais após receberem uma pequena provisão de mantimentos. Há relatos também de sabotagem.

"São situações que não surpreendem na região", diz Benjamin Zawacki, ex-pesquisador da Anistia Internacional e hoje no programa de Direitos Humanos da Universidade Harvard baseado em Bancoc, Tailândia.

"Alertamos que uma solução regional é necessária há ao menos seis anos. Mianmar considera que os rohingyas não são problema seu, mas, pela lei internacional, eles têm obrigação de protegê-los", afirma Zawacki. "Já a Tailândia fecha os olhos ao envolvimento de autoridades locais no tráfico de pessoas."

Sob o risco de uma crise de imagem, Bancoc convocou uma reunião emergencial com 15 países, incluindo os EUA, para o dia 29, sexta.

Os americanos já sinalizaram disposição em receber refugiados, enquanto Tailândia, Malásia e Indonésia decidiram receber por até um ano quem chegar a seus territórios. Mianmar, que tinha se recusado a participar da reunião, voltou atrás.

"É uma mudança extraordinária sobretudo de Mianmar, que pela primeira vez assume responsabilidade pelo problema", diz Silvia di Gaetano, consultora do Acnur e especialista em Mianmar em assuntos de refugiados.

"Há uma clara situação de crimes contra a humanidade e limpeza étnica que precisa ser resolvida, mas o primeiro passo é tirar essas pessoas do mar e dar assistência inicial."

O Acnur estima que haja de 3.000 a 8.000 pessoas à deriva no golfo de Bengala.


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