Folha de S. Paulo


Venezuela é recordista em gravidez adolescente na América do Sul

Thalia Ciavato, 14, chora ao sair da Maternidade Concepción, no centro de Caracas. Ela acaba de saber que está grávida. "Fiquei com um rapaz e não tomamos nenhuma precaução. Agora não sei o que fazer", desespera-se a menina, ao lado da mãe.

Moradora de uma favela, a jovem não contará a notícia ao rapaz. "É um cara mau, que assalta e mata. Não quero nada com ele", justifica.

O caso ilustra uma realidade comum na Venezuela, onde a gravidez precoce se tornou caixa de ressonância das mazelas que assolam o país, como educação deficiente, violência e valores sociais distorcidos pela pobreza.

Com mais de 22% de bebês nascendo de mães menores de 19 anos (dado de 2012 da ONU), a Venezuela é recordista em gravidez adolescente na América do Sul. No ranking latino-americano, está em terceiro, mas o governo disse recentemente que o país fica atrás só de Honduras.

Mesmo assim, a Maternidade Concepción é um dos poucos lugares onde há atendimento gratuito. A cada manhã, a ala adolescente lota.

Estefany Pereira, 15, mãe há um ano, acompanha a consulta da irmã Andreína, que, aos 16, já tem um bebê e está grávida do segundo.

"Não tenho mais tempo para mim e preciso passar horas nas filas para comprar fraldas", lamenta Estefany, numa referência à escassez de produtos básicos no país.

Estefany, Andreína e Thalia deixaram o colégio. A deserção escolar é devastadora para a economia dos lares mais humildes. "Se, em vez de ter filho com 17, as jovens tivessem aos 25, teriam mais opções de carreira, seguro médico e repouso até retomar o trabalho", diz a socióloga Lissette González.

Outro problema são riscos de saúde aos quais se expõem mães muito jovens. Um terço das vítimas da mortalidade materna é de adolescentes.

A gravidez de Thalia complicou-se. Médicos constataram atraso no desenvolvimento do cérebro do feto e cogitam aborto, permitido em casos de ameaça à vida da mãe.

"É evidente que o corpo nessa idade não está pronto para receber um feto", diz a médica Natalia Salazar, da Maternidade Concepción.

Editoria de Arte/Folhapress

MAL CRÔNICO

O aumento do número de jovens grávidas contrasta com a fecundidade média, que baixou de 3,2 filhos por mulher em 1990 para 2,4 em 2011. "A mulher de classe média tem cada vez menos filhos e cada vez mais tarde, mas, como a gravidez adolescente não baixa, cresce a fatia de bebês nascidas de adolescentes", afirma González.

Parte do fenômeno se explica pelo ensino conservador. "A educação sexual é cheia de tabus. Muitos acham que falar de prevenção estimula a sexualidade, mas é o oposto: quanto mais consciência, maior a margem de decisão", diz Belmar Franceschi, da ONG Plafam, que atende mães adolescentes.

Críticos dizem que autoridades torram fortunas para promover a ideologia bolivariana, mas nunca fizeram grande campanha de conscientização. Procurado, o governo não se pronunciou.

A maternidade é opção de sobrevivência em meio à pobreza e violência. "Busca-se a proteção de um homem capaz de prover recursos e segurança. Muitas vezes, esse papel é do líder criminoso do bairro", diz Salazar.

Para os especialistas, o pano de fundo é a cultura venezuelana, na qual o papel da mulher continua atrelado ao de mãe. Jovem mãe, Yulimar Pereira, 18, encarna esse sentimento. "É muito bom ter filho. Já penso no segundo."


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