Folha de S. Paulo


Nepaleses montam guarda para impedir saques em locais históricos

No centro histórico de Katmandu, um grupo de moradores agia por conta própria nesta semana para proteger o patrimônio cultural da cidade, após o forte terremoto que estraçalhou parte de seus monumentos.

Cansados de esperar pela ação do governo, eles montaram guarda nas ruínas do mais importante templo do Nepal para impedir que suas peças fossem saqueadas.

"Já que o governo é incapaz de prover segurança, decidimos nos unir para que séculos de nossa história não sejam perdidos", explicou o comerciante Niraj Shresta, 36, morador de um sobrado que fica defronte à pilha de destroços em que se transformou o templo de Kasthamandap após o terremoto.

O imponente pagode de três andares, construído no século 12, é um dos principais símbolos do Nepal. Acredita-se que a palavra Kasthamandap (abrigo de madeira, em sânscrito) tenha dado origem ao nome da capital do país, Katmandu.

Não espanta que o colapso do prédio tenha causado tanta comoção entre os nepaleses. "Faz parte da alma nepalesa", diz Shresta.

Pratap Thapa/Xinhua
Templos da praça Durbar ficaram totalmente destruídos após o terremoto do dia 25 de abril
Templos da praça Durbar ficaram totalmente destruídos após o terremoto do dia 25 de abril

Desde o terremoto, ele e outros moradores das redondezas passam a noite acampados em torno de uma fogueira, diante do templo. Também fazem rondas pela praça Durbar, o centro histórico de Katmandu, onde outras construções antigas também sofreram graves danos.

QUEBRA-CABEÇA

Empilhados em vários pontos da praça, artefatos de delicada beleza são agora peças de um quebra-cabeça, que as autoridades do país esperam juntar na reconstrução dos prédios que desabaram.

Entre os objetos, há colunas de madeira com deidades esculpidas, estátuas de granito e sinos de metal, que certamente poderiam ser vendidos por milhares de dólares em leilões de arte e antiguidades no exterior.

"A maior parte do que foi danificado é herança arquitetônica do vale de Katmandu", diz à reportagem Charles Ramble, da Universidade de Oxford. O vale consiste de três cidades históricas: Katmandu, Patan e Bhaktapur, com construções que remontam ao século 5º.

Segundo Ramble, no entanto, a maior parte do dano atingiu a arquitetura do período Malla (do século 10º ao 18). São desse período as construções icônicas da região, com seus telhados de madeira em vários andares.

"Equipes de restauração passaram algumas décadas na reconstrução do dano causado pelo terremoto de 1934, e agora isso acontece de repente", diz Ramble.

RECONSTRUÇÃO

Caminhando sobre os escombros do templo de Kasthamandap, o prefeito de Katmandu, Purna Bhakta Tandukar, diz à Folha que a reconstrução desses prédios históricos deve começar dentro de duas semanas, assim que for concluída a retirada dos destroços.

"Na medida do possível usaremos o material original. O objetivo é reconstruir os monumentos exatamente do jeito que eles eram", afirma Tandukar.

"Com a ajuda técnica e financeira de países amigos, em um ou dois anos o processo de reconstrução poderá estar concluído."

De acordo com Thomas Schrom, vice-diretor do Kathmandu Valley Preservation Trust, que trabalha na restauração do patrimônio histórico da região, ainda levará semanas para avaliar a extensão da destruição.

Schrom, que vive em Patan há 24 anos, estima em cerca de uma década a reconstrução da área.

As construções mais afetadas, afirma, são as de estilo hindu, com os telhados em camadas e sustentados por colunas. As construções budistas têm um outro estilo, mais resistente a tremores.

"Alguns monumentos budistas são do século 9º, mas não foram tão afetados. São templos de dois metros de altura, de pedra sólida", diz.

Schrom afirma que as construções afetadas já haviam sido restauradas após o terremoto de 1934 e que há como reconstruir parte dos monumentos turísticos, dado o grande número de registros históricos.

A preocupação, segundo o arquiteto, são os pequenos templos nos becos e ruelas da cidade, que não são protegidos pelo governo como patrimônio. "Esses nunca vão ser refeitos", afirma.

Quando a reportagem da Folha esteve em Patan, assistiu a uma escavadeira do governo, guiada por um soldado, retirar escombros de uma das praças principais.

Em uma curva mal planejada, o veículo acabou arrancando o canto do que um dia foi a base de um templo histórico.

Schrom não culpa, porém, o governo do Nepal por como tem lidado com essas relíquias. "Não é feito da maneira mais elegante possível, mas é uma emergência. Não podemos culpá-los", afirma.


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