Folha de S. Paulo


Opinião: Resort que custou milhões de euros à Itália está vazio

O enorme resort futurista se situa no Parque Nacional La Maddalena, um dos recantos mais belos do Mediterrâneo, onde as ondas em tons de topázio lavam o granito pontilhado de zimbros em um grupo de ilhotas na costa nordeste da Sardenha.

Custo do resort: € 470 milhões (R$ 1,5 bilhão). Entrega da empreiteira ao governo italiano: 2009. Objetivo pretendido: abrigar a reunião de cúpula do G8. Uso atual: nenhum.

Há cerca de seis anos os edifícios de vidro e metal enferrujam tranquilamente ao mistral, um vento frio cortante que desce da França e passa pela região.

Não que os responsáveis sintam alguma necessidade de dar explicações. Existe uma convicção, na Itália e em outros lugares, de que os grandes eventos deixam uma herança de desperdício e catedrais no deserto.

Foi o que aconteceu depois dos Jogos Olímpicos de 2004 em Atenas, cujos custos elevados ajudaram a afundar as finanças públicas da Grécia.

Até certo ponto, a mesma cena se desdobrou depois da Copa do Mundo de Futebol de 2010 na África do Sul. E está acontecendo depois dos Jogos de Inverno de Sochi em 2014, que refletiram os sonhos de grandeza de Vladimir Putin.

O fiasco de Maddalena não é tão espetacular ou tão caro quanto qualquer desses outros, mas é mais bizarro. Os Jogos Olímpicos realmente aconteceram em Atenas e Sochi. A África do Sul assistiu a partidas de futebol de verdade.

Mas o arquipélago de Maddalena -onde Napoleão sofreu sua primeira derrota e Giuseppe Garibaldi viveu durante algum tempo, um pai da Itália moderna e um exilado em sua terra natal- é frequentado apenas pelas sombras de uma cúpula que nunca aconteceu: no último minuto, a Itália a transferiu para o continente.

A Sardenha, segunda maior ilha do Mediterrâneo, sofre um índice de desemprego de mais de 50% entre a população mais jovem.

Ela é econômica e geograficamente isolada, e suas indústrias petroquímica e metalúrgica, os motores gêmeos da economia local, estão sendo desligadas.

A Sardenha poderia ter feito muita coisa com os milhões desperdiçados. Segundo o orçamento do governo da ilha em 2015, 470 milhões de euros teriam coberto suas necessidades em educação, emprego, turismo, artes e esportes.

O fiasco de Maddalena começou no início dos anos 2000, quando militares americanos começaram a dar sinais de que fechariam sua base em Santo Stefano, uma parte do arquipélago de Maddalena.

A base foi aberta depois de um acordo em 1972 entre a Itália e os Estados Unidos. Quando ela finalmente foi fechada, em 2008, a instalação de munições da Otan desapareceu, e com ela uma instalação americana para submarino nuclear.

Em uma área com poucas fontes de renda além do turismo de verão, as Forças Armadas americanas eram uma linha vital.

Diante do fechamento iminente, em 2006 o governo do primeiro-ministro Romano Prodi encontrou uma solução espetacular para os problemas de La Maddalena: realizar a cúpula do G8 no local da antiga base naval.

Em 2008, porém, Silvio Berlusconi estava no poder e jogou água fria no projeto. As obras continuaram de qualquer modo. O que se conformou foi um resort de luxo que, pelo menos na teoria, daria uma injeção de ânimo no turismo na Sardenha depois do G8.

Então, em 6 de abril de 2009, um terremoto atingiu a região italiana de Abruzzo, devastando a capital regional, L'Aquila.

Berlusconi entrou em cena com um gesto espetacular e quase no último minuto transferiu a cúpula para a cidade destruída pelo tremor, no centro da Itália.

Uma decisão questionável, mas que rendeu muito destaque na imprensa para o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a chanceler alemã, Angela Merkel, e outros líderes mundiais.

Isso terminou cinco anos atrás. Fora a reunião de cúpula, não aconteceu muita coisa em L'Aquila. Hoje, a maior parte de seu centro histórico continua inseguro.

Enquanto isso, a cidadela de vidro e aço de La Maddalena olha para o mar, inútil.

Os dois lugares foram devastados pela negligência, o mau planejamento, a corrupção e disputas em tribunais. Mas a cena em La Maddalena é mais deprimente.

Refugiando-se por trás da desculpa da urgência, o governo permitiu que os custos inchassem. A empresa que administra a estrutura, Mita Resort, queixa-se de que o mar não foi limpo e La Maddalena não atrai turistas ricos.

Tampouco está claro quem tem a responsabilidade geral pelo complexo. A autoridade regional não tem dinheiro, o governo nacional não tem tempo e os investidores privados não têm ideias.

A Itália deverá agora abrigar a Expo 2015, a partir de 1° de maio em Milão. O tema é Alimentar o Planeta.

Cerca de 6.000 pessoas trabalham sem descanso para terminar tudo. A construção envolveu mais de 250 mil metros cúbicos de concreto. As autoridades esperam 20 milhões de visitantes.

A exposição terá pavilhões de 145 países. É um projeto magnífico que a Itália certamente levará a cabo. Mas não esqueçamos o arquipélago de La Maddalena. Os fiascos encerram lições, se você as procurar.

BEPPE SEVERGNINI é colunista do "Corriere della Sera" e autor de "La Bella Figura: A Field Guide to the Italian Mind". Envie comentários para intelligence@nytimes.com

Tradução de LUIZ ROBERTO GONÇALVES


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