Folha de S. Paulo


Somalis temem virar alvo de violência na África do Sul

A onda de violência xenófoba que se alastra nas periferias de grandes cidades da África do Sul criou um clima de insegurança para os imigrantes no resto do país.

Em Khayelitsha, favela na região metropolitana da Cidade do Cabo, pequenos comerciantes da Somália temem ser os próximos alvos depois dos ataques a estrangeiros nos arredores de Johannesburgo e Durban, que já deixaram sete mortos.

A violência teve início após declarações do rei zulu Goodwill Zwelithini e de Edward Zuma, filho do presidente Jacob Zuma, pedindo que imigrantes deixassem o país.

Uma das maiores favelas da África do Sul, Khayelitsha fica a 25 km do centro da Cidade do Cabo, no oeste do país. A área onde habitam 392 mil pessoas tem memória recente de conflitos.

Em 2008, foi um dos focos de violência durante ataques também motivados por ódio a estrangeiros. No total, cerca de 60 morreram. O somali Abdul Fatah lembra que naquela época fugiu da favela dois dias antes dos ataques. "Voltei um mês e meio depois, quando a situação se acalmou", diz Fatah, dono de um pequeno comércio.

Na época, o vendedor se refugiou na favela vizinha de Mitchells Plain, onde a maioria da população é mista, de pele mais clara e de diferentes etnias, como a árabe. Em Khayelitsha, 99% dos habitantes são africanos negros.

Fatah afirma que hoje convive bem com os sul-africanos, mas se preocupa com o que ocorre no leste do país. "Pode chegar aqui. Andamos com a orelha em pé."

Outro somali dono de estabelecimento comercial, Abdul Rakim diz estar apreensivo, apesar do ambiente aparentemente calmo.

Ele deixou Mogadício, capital de seu país, fugindo da guerra entre o governo e o grupo terrorista Al Shabaab. Passou por quatro países antes de chegar à África do Sul. Há três meses vive na Cidade do Cabo, capital legislativa sul-africana.

O somali reconhece, no entanto, que talvez tenha que seguir viagem. "Estou bem aqui, mas sou um refugiado".

Para Abdirashid Ibrahim, também um comerciante oriundo da Somália, o preconceito no leste é maior.

"Aqui se referem a nós como somalis. Em Durban e Johannesburgo, chamam de 'magweja' (gíria pejorativa para se referir a estrangeiros)", conta. Na semana anterior, afirma, a loja de um compatriota foi saqueada.

Segundo o chefe de um dos departamentos de polícia que atende a favela, a população tem demonstrado apoio aos imigrantes. "Não podemos dizer que nada vai acontecer, mas houve até uma marcha contra a
xenofobia na manhã de sábado (18), com sul-africanos, nigerianos e somalis", diz o tenente Vakubi. Nenhum dos entrevistados pela reportagem mencionou a marcha, porém.

SUL-AFRICANOS

Sive Tyhliti é negro e sul-africano, assim como 99% dos moradores de Khayelitsha. Ele lembra que, quando os ataques de 2008 cessaram, os imigrantes ficaram com medo de que a violência não tivesse acabado. "Mas o tempo passou e eles entenderam que estamos no mesmo barco", diz o rapaz de 26 anos.

A associação que alguns sul-africanos fazem entre estrangeiros e condutas ilegais pode ser considerada um dos motivos da aversão aos imigrantes. "As garotas sul-africanas namoram os nigerianos e congoleses por causa do dinheiro", diz Tyhliti.

Seu primo, Lwando, de classe média e que mora no centro, concorda.

"Eles têm dinheiro porque vendem drogas. Não se importam em gastar, por isso atraem garotas."

Pai de Lwando e tio de Tyhliti, Sonwabise Sokoko tem opinião parecida. "É fácil para eles (os estrangeiros) quebrar a nossa lei. Qualquer coisa, fogem para o país deles".


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