Folha de S. Paulo


Com dinheiro e charme, Putin busca aliados na periferia da União Europeia

Há dois anos, Chipre confiscou centenas de milhões de dólares de depositantes bancários, muitos deles russos, como parte de um acordo para salvar seu sistema financeiro. Na época, o líder russo, Vladimir Putin, disse que a decisão era "perigosa" e "injusta", advertindo sobre um esfriamento nas relações mútuas.

Recentemente, porém, Putin se desdobrou em amabilidades ao receber em Moscou o presidente de Chipre, Nicos Anastasiades.

Ele enalteceu as relações com a nação mediterrânea como "sempre muito cordiais e mutuamente benéficas" e concordou em ampliar um empréstimo russo de US$ 2,5 bilhões ao país.

A mudança mostrou a determinação de Putin para dar fim às sanções impostas à Rússia pelos Estados Unidos e pela União Europeia (UE) devido à anexação da Crimeia por Moscou e ao apoio a rebeldes armados na Ucrânia.

Por meio de charme, dinheiro e o reavivamento das origens históricas e ideológicas, Putin busca metodicamente conquistar o apoio dos elos mais fracos da UE.

Antes de sua recente viagem a Moscou, o premiê da Grécia, Alexis Tsipras, declarou ser contra as sanções à Rússia, descrevendo-as como "infrutíferas". Em fevereiro, Putin visitou a Hungria para oferecer acordos econômicos.

Os esforços de Putin abriram um novo racha depois que o embaixador dos EUA em Praga criticou o presidente da República Tcheca, Milos Zeman, por concordar em assistir a um desfile militar em Moscou em maio. Zeman disse depois que não irá ao desfile, mas visitará Moscou.

Por ora, a Rússia não conseguiu transformar esses eventos em atos concretos contra as sanções, que requerem a aprovação de todos os 28 membros da UE.

Entretanto, Anastasiades disse que Chipre tem dúvidas sobre a política da Europa em relação à Rússia e que integra um "grupo de Estados-membros com as mesmas reservas". Ele se absteve de criticar frontalmente o consenso favorável à pressão econômica sobre a Rússia. Mas declarou que espera uma votação unânime pelo fim das sanções neste verão.

As fissuras na política europeia em relação à Rússia são um problema difícil para Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu. "Hoje, o maior desafio é manter a Europa unida", disse em março.

Chipre é uma pequena nação que, devido a seus fortes laços históricos, religiosos e econômicos com a Rússia, passou a ter um papel importante na luta geopolítica.

Membro da UE desde 2004, Chipre abriga bases militares e instalações de espionagem britânicas e permite que a Marinha dos EUA use seus portos. No entanto, o país vê na Rússia um protetor diplomático e um parceiro comercial.

Um acordo selado durante a visita de Anastasiades a Moscou permite que navios de guerra russos atraquem em Limassol. Como líder de um pequeno país dividido desde a invasão turca em 1974 e situado em uma zona instável entre Oriente e Ocidente, Anastasiades disse buscar boas relações com todos os lados, "até com o demônio".

"Muitas pessoas nessa ilha veem a Rússia como um salvador", disse Harry Tzimitras, diretor do Centro Prio de Chipre, grupo de pesquisa financiado pela Noruega em Nicósia. Segundo ele, isso cria um terreno fértil para Moscou conseguir "provar que pode frustrar certas políticas" promovidas por Washington e Bruxelas.

Vasilis Zertalis, presidente da empresa de serviços financeiros Prospectacy, descreveu Chipre como uma "pequena peça em um grande tabuleiro de xadrez".

A Europa, disse ele, tentou se impor à força durante a crise dos bancos em 2013. "Ela queria afugentar os russos, mas o dinheiro que sobrou era do Reino Unido, de outros países europeus e da América", explicou Zertalis. Todos os cipriotas, em sua opinião, "perderam a fé na UE" por causa dos termos rígidos da ajuda financeira e por "saber que os EUA jamais se posicionariam contra a Turquia".

"Portanto, os únicos aliados reais de Chipre são a Rússia e talvez a China", concluiu.


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