Folha de S. Paulo


Um ano após naufrágio, quartos de vítimas sul-coreanas ficam intocados

A cama foi retirada do quarto de Kim Dong-hyuk, mas tudo mais continua como era antes que o adolescente sul-coreano se afogasse, em companhia de 249 outros alunos da Escola Secundária Danwon, quando o navio Sewol emborcou e naufragou no ano passado.

Desde o desastre ocorrido em 16 de abril de 2014, que matou um total de 304 pessoas, muitos dos pais de vítimas em Ansan, uma cidade industrial ao sul de Seul, mantiveram intocados os quartos dos filhos que perderam e não conseguem remover as recordações e objetos de uso cotidiano.

Do computador de mesa que Dong-hyuk usava para seus jogos ao aparelho de terapia para um problema de pele e o player de MP3 que foi encontrado na mão do jovem depois do acidente, Kim Young-lae se sente incapaz de abrir mão dos pertences de seu segundo filho.

Além da retirada da cama, a única coisa que mudou no quarto foi a inclusão de um retrato do adolescente morto aos 16 anos.

"Às vezes falo com o retrato dele", diz Kim, chorando. "Mas não consigo olhá-lo nos olhos, os olhos de Dong-hyuk, porque a dor ainda é muito grande."

Bichos de pelúcia, livros e roupas continuam a ocupar os quartos de muitas das crianças mortas quando o navio Sewol afundou perto da ilha Jindo, ao largo da costa sudoeste da Coreia, durante uma viagem escolar.

Um ano depois da tragédia, que envolveu uma embarcação posteriormente definida como sobrecarregada e defeituosa estruturalmente, e de uma operação de resgate que na opinião geral foi conduzida de forma incompetente, as emoções das famílias das vítimas ainda são fortes.

A raiva e a vergonha persistem, para muitas pessoas, em um país traumatizado pelo desastre.

Um projeto de lei que ordenaria uma investigação sobre o naufrágio está paralisado por conta de controvérsias políticas, e o público exige que o governo erga a embarcação naufragada para localizar os nove corpos ainda desaparecido.

Editoria de Arte/Folhapress

É provável que o governo decida recuperar a balsa, disse o primeiro-ministro Lee Wan-koo ao Legislativo sul-coreano na segunda-feira (13).

A mensagem final de Dong-hyuk foi gravada no celular de um amigo e captura a confusão dos momentos que precederam sua morte.

A balsa, que estava a caminho de Jeju, uma ilha de turismo, estava afundando, e Dong-hyuk, usando um colete salva-vidas, diz: "Preciso dizer uma coisa antes de morrer: Mamãe, papai, amo vocês".

Kim, que trabalha como soldador, disse que pensou em suicídio depois da morte do filho. A família planeja manter as demais posses de Dong-hyuk, ainda que a cama fosse difícil demais de suportar.

"Kim pediu que um parente jogasse a cama do filho fora antes que voltasse da ilha de Jindo, porque sentia que não conseguiria entrar em casa se a cama ainda estivesse lá", disse Kim Sung-sil, a mãe do menino.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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