Folha de S. Paulo


Europa muda educação sexual para aumentar taxas de natalidade

Vinte e cinco adolescentes dinamarqueses de 13 e 14 anos estão sentados em círculo para falar sobre sexo. Com certeza o papo será complicado.

Uma aluna confere as unhas pintadas de vermelho enquanto um colega confere o celular. Quando o assunto passa a ser a masturbação, uma menina aponta para um garoto que já está caindo na risada do outro lado da sala, e em seguida tenta encobrir seu próprio acesso de riso colocando a mão diante da boca.

"Podem rir, não é problema", diz o instrutor, Andreas Beck Kronborg, 29, um homem de aparência juvenil o bastante para passar por irmão mais velho dos estudantes. "Vamos ter de falar sobre assuntos embaraçosos".

Recentemente, a Sexo e Sociedade, uma organização sem fins lucrativos que fornece boa parte dos serviços de educação sexual na Dinamarca, ajustou seu currículo. O grupo deixou de enfatizar apenas métodos de impedir gestações inesperadas, e agora também fala sobre gravidez e sexo de modo mais positivo.

Tudo isso é parte de um esforço não muito sutil de parte das autoridades europeias para encorajar as pessoas a terem mais filhos. A Dinamarca, como diversos outros países europeus, vem sofrendo cada vez mais ansiedade quanto aos baixos índices de natalidade.

Essas preocupações só se intensificarão com a crise financeira e econômica da região, e o alto desemprego entre os jovens é visto como um fator que desencoraja os potenciais pais.

Em fevereiro, o ministro da Saúde italiano descreveu a Itália como "um país moribundo". A Alemanha gasta muito dinheiro em subsídios às famílias, mas não tem grandes resultados a exibir. A depressão na Grécia reduziu ainda mais os índices de natalidade no país.

E na Dinamarca, o índice de natalidade está abaixo da chamada taxa de substituição, o número mínimo de nascimentos necessários para impedir que a população caia –pouco mais de dois filhos por mulher– desde o começo dos anos 70.

"Por muitos, muitos anos, só falamos sobre sexo seguro, sobre como evitar uma gravidez indesejada", disse Marianne Lomholt, diretora nacional da Sexo e Sociedade. "Mas de repente pensamos que talvez também devêssemos ensinar a eles como engravidar".

Editoria de Arte/Folhapress

A virada demográfica é mais premente na Europa do que em quase qualquer outra região, salvo o Japão. Há 28 europeus com idade de 65 anos ou mais para cada cem europeus com idade entre os 20 e os 64 anos, quase o dobro da média mundial, de acordo com as Nações Unidas. Nos Estados Unidos, o número é de 24,7 por cem. Pelo final do século, a ONU antecipa que essa razão dobre, na Europa.

Tendências como essas transformarão sociedades, e podem reduzir o crescimento econômico e causar desgaste ainda maior nos sistemas públicos de pensões, além de exigir mais serviços de atendimento aos idosos. O Japão já enfrenta questões existenciais, e as vendas de fraldas geriátricas no país estão a ponto de ultrapassar as de fraldas para bebês.

Mas não existe consenso sobre o impacto das tendências demográficas. Há quem perceba um amadurecimento natural nas sociedades desenvolvidas. Outros preveem desastres, porque com menos trabalhadores ativos e mais aposentados, a força ativa de trabalha arcará com um fardo maior para manter programas sociais.

Os ganhos de produtividade ao longo do tempo, porém, podem compensar esses desgastes populacionais. Quedas de natalidade também podem produzir escassez de mão de obra, e a Alemanha já teve de enfrentar uma falta de mão de obra qualificada. Mas por enquanto isso está longe de ser questão importante para boa parte da Europa, que continua assolada pelo desemprego.

"A agenda política é muito mais complicada do que as pessoas costumam pensar", diz Hans Timmer, economista chefe do Banco Mundial para a Europa e Ásia Central. "Existe uma oportunidade de obter renda per capita mais alta, ainda que a renda geral não esteja crescendo tanto quanto em outros países".

Os recentes esforços para elevar os índices de natalidade em todo o mundo vêm sendo criativos, se não necessariamente efetivos. O presidente Vladimir Putin decretou que 2008 seria o Ano da Família, na Rússia, e seu partido político recorreu a ideias como bancos curvos nos parques para levar os casais a se sentarem mais coladinhos.

Em Cingapura, um comercial da bala Mentos, repleto de letras de duplo sentido, mostrava um rapper instando os cidadãos a cumprir seu dever patriótico, com versos como "sou um marido patriota, e você minha mulher patriota. Deixa eu reservar um lugarzinho na sua barraca e vamos criar uma vida juntos".

Em alguns países, a questão pode ter efeito mais amplo sobre o debate político.

Zsolt Darvas, pesquisador sênior do Bruegel, um instituto sediado em Bruxelas, disse que a questão da queda da população havia contribuído para a aversão a gastos públicos na Alemanha, especialmente em um período de incerteza econômica. A conexão entre os dois assuntos foi estabelecida em mais de uma ocasião por Jens Weidmann, o presidente do Bundesbank (banco central alemão).

"Se você prestar atenção no argumento alemão –o motivo para que a Alemanha não deseje um deficit orçamentário maior agora a fim de estimular a economia–, o que eles costumam repetir é que a perspectiva demográfica alemã é muito ruim, e eles não querem sobrecarregar as futuras gerações", disse Darvas.

A ansiedade na sociedade dinamarquesa não prejudicou a criatividade. Um pastor conquistou manchetes por seus textos entusiásticos sobre o sexo e o erotismo. Um empresário criou um site de encontros para as pessoas que querem procriar.

A agência de viagens dinamarquesa Spies criou uma campanha chamada "faça sexo pela Dinamarca", uma promoção para estimular viagens a outras capitais europeias. Um comercial ousado mostrava um jovem casal dinamarquês fazendo sua parte para aumentar o índice de natalidade de seu país, em um hotel de Paris. "O sexo poderá salvar o futuro da Dinamarca?", era a questão proposta pela campanha, que afirmava que os dinamarqueses fazem 46% mais sexo nas férias e feriados.

"A reação foi muito positiva", disse Eva Lundgren, diretora de marketing da Spies, que é parte do grupo Thomas Cook. Ela acrescentou que a cobertura frequente da questão pela mídia dinamarquesa fazia dela um tópico natural de trabalho. "Há alguns anos existe certa ansiedade sobre como vamos sustentar a crescente massa de idosos", ela disse.

Christine Antorini, ministra dinamarquesa da Educação, afirmou em comunicado que o governo agora busca "foco mais forte em uma abordagem ampla e positiva quanto à saúde e sexualidade, na qual a saúde sexual envolva tanto as alegrias quanto os riscos associados ao comportamento sexual".

Talvez toda essa atenção esteja começando a dar resultado. Novas estatísticas mostram cerca de mil nascimentos a mais em 2014 do que em 2013, a primeira elevação no número de nascimentos da Dinamarca em quatro anos.

"Não posso dizer que fomos nós que causamos essa alta", diz Lomholt, da Sexo e Sociedade, rindo. "Começamos a promover essa ideia só agora".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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