Folha de S. Paulo


opinião

EUA deveriam ter levado a sério acordo entre Brasil, Turquia e Irã

Se os Estados Unidos tivessem levado a sério o acordo Brasil/Turquia/Irã de 2010 em torno do programa nuclear iraniano, o mundo teria perdido menos tempo e enfrentado menos dificuldades ao enfrentar o tema.

É a conclusão que emerge após o acordo preliminar da quinta-feira (2) entre as seis grandes potências e o Irã.

Comecemos por um detalhe técnico relevante: na carta que mandou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao primeiro-ministro turco Recep Erdogan, Barack Obama dizia ser "fundamental" que o Irã enviasse ao exterior 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para ser enriquecido a um ponto compatível com seu uso pacífico e incompatível com a bomba.

Esse ponto constava explicitamente do acordo Brasil/Turquia/Irã. Agora, o tamanho do estoque iraniano de urânio pobremente enriquecido é de 10 mil quilos (será reduzido a 300 quilos nos termos do acordo de Lausanne).

Vê-se, pois, que o Irã avançou bastante em seu programa nuclear nesse lapso de cinco anos. Se o acordo de 2010 tivesse sido usado como base de uma negociação entre as potências e o Irã, em tese seria mais fácil um entendimento, pois os iranianos não estariam tão avançados.

Do ponto de vista político, o acordo de 2010 também era importante. Obama havia dito a Lula e a seu chanceler Celso Amorim que os EUA precisavam de um país amigo que pudesse dialogar com o "inimigo", o Irã. O Brasil dispôs-se a esse papel, com relativo sucesso.

Aproveitar a boa disposição iraniana em negociar com países aliados dos EUA, como Turquia e Brasil, serviria para, eventualmente, alcançar o mesmo que agora promete o presidente Hasan Rowhani: cooperar com a comunidade internacional.

Ressalve-se, claro, que o presidente da época era o radical Ahmadinejad, ao passo que Rowhani é claramente um moderado. Por fim, Lula transmitiu a Ahmadinejad sua reclamação contra declarações do então presidente iraniano sobre o Holocausto (negando-o) e contra Israel.

De certa maneira –e sem o peso que teria uma declaração das potências mundiais–, atendeu um ponto que, agora, Binyamin Netanyahu, o premiê israelense, está pedindo: que o acordo final com o Irã inclua o reconhecimento iraniano do direito de Israel à existência (obviamente a uma existência segura).

Fica claro, pois, que o Brasil não foi naquele momento o "anão diplomático" como o qualificou recentemente um porta-voz israelense. Pena que tenha sido tratado como tal pelos EUA.


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