Folha de S. Paulo


Ex-chefões da máfia reclamam da idade em tribunais americanos

Não muito tempo atrás, Thomas DiFiore era uma figura intimidante. Por um período, ele foi o membro mais graduado da família Bonanno que não estava atrás das grades, apesar de uma longa ficha de detenções por acusações de sequestro, agressão, promoção do jogo e extorsão.

Mesmo aos 70 anos, em 2013, DiFiore não pareceu hesitar quando desafiou outro líder envelhecido dos Bonanno para obter uma porcentagem maior de um pagamento de empréstimo, segundo relatou a promotoria baseada em uma escuta do governo. "Sem mim vocês não teriam nada", foram as palavras de DiFiore, segundo outro líder, Vincent Asaro.

Bryan Smith - 23 jan. 2014/Xinhua
Vincent Asaro, um dos líderes da máfia Bonanno, é levado por policiais em Nova York
Vincent Asaro, um dos líderes da máfia Bonanno, é levado por policiais em Nova York

Mas hoje, após receber uma sentença de 21 anos por formação de quadrilha para cobrar dívidas, a postura arrogante de DiFiore deu lugar a lamentos, e ele fala mais sobre insulina e estatinas do que sobre cobranças.

Ele é um dos "oldfellas" [velhos companheiros], mafiosos cujas vidas no crime parecem ter sucumbido com as agressões da idade e o assédio incansável dos promotores federais.

Nos tribunais, eles podem ser vistos com sacos de colostomia ou discutindo a condição de seus rins, na esperança de que um juiz se apiede.

Muitos desses gângsteres geriátricos foram condenados no Tribunal Federal Distrital do Brooklyn, que cobre os territórios das cinco principais famílias do crime organizado em Nova York.

DiFiore, 71, explicou seu regime de medicamentos ao tribunal: injeções de insulina Lantus a cada 12 horas; atorvastatina para o colesterol todas as manhãs; amlodipina e lisinopril para a pressão; e uma aspirina de 325 miligramas por dia.

Enquanto os membros da máfia tentam evitar penas de prisão prolongadas, os informantes tornam-se mais comuns, segundo Belle Chen, agente especial assistente do FBI.

A perspectiva de que esses vira-casacas enfrentem retaliação violenta encolheu, dizem os especialistas, por causa da segurança dispensada pelo programa de proteção de testemunhas e da crescente probabilidade de que um participante na retaliação possa acabar ajudando as autoridades. "Há muitos informantes potenciais hoje em dia", disse Chen.

Essa dinâmica permitiu que os investigadores visassem crimes cometidos há décadas e líderes mafiosos mais velhos.

ERA DE PODER

Em consequência, o Tribunal Federal do Brooklyn se encheu nos últimos anos de histórias de uma era em que a máfia era mais poderosa, quando estava ligada a atos conspícuos de criminalidade como o assalto à Lufthansa em 1978 no Aeroporto Internacional Kennedy -um roubo a mão armada de US$ 6 milhões pelo qual Asaro, 80, deverá ser julgado neste ano.

Recentemente, agentes federais prenderam reputados membros da máfia e associados na faixa dos 60 e 70 anos, ligados à família criminosa baseada em Nova Jersey que teria inspirado "Os Sopranos", o seriado da HBO que apresentava vários mafiosos envelhecidos.

Os promotores disseram que alguns réus parecem exagerar seus problemas médicos nos pedidos de clemência.

Nicky Rizzo, soldado da família Colombo que tinha 86 anos quando foi condenado por extorsão em 2013, disse que suas condições de saúde incluíam má audição, câncer de próstata e a necessidade de usar uma bomba com cateter para urinar. Ele levantou a perna da calça para mostrar ao juiz o saco de drenagem da urina.

O promotor Allon Lifshitz disse sobre o comportamento de Rizzo: "É uma piada".

O juiz Kiyo A. Matsumoto, citando a saúde e a idade de Rizzo, o condenou a seis meses de prisão, não a um ano e meio a dois anos, o pedido pela acusação.

Alguns juízes questionaram as condições dos réus idosos.

O juiz Matsumoto condenou Richard Fusco, membro da família Colombo, a apenas quatro meses de prisão por formação de quadrilha para extorsão, depois que ele citou problemas que incluíam insuficiência renal, perda de audição e doença de Alzheimer precoce.

"Se Fusco me enganou, então coitado de mim", disse o juiz em uma condenação posterior.

Thomas Gioeli, membro da família Colombo condenado por estelionato e formação de quadrilha, detalhou suas dificuldades de saúde em sua condenação no ano passado: problemas nas costas, um episódio cardíaco, diabetes e artrite. O ex-temível mafioso também estava desdentado. "Não posso mastigar a comida", disse Gioeli ao tribunal. "Engasgo com frequência. Minhas costas doem, meu quadril dói, meus joelhos estalam."

Quando foi condenado, aos 61 anos, Gioeli era "um homem muito velho para sua idade", afirmou seu advogado, Adam D. Perlmutter.

"Esses problemas médicos não são fingidos, são reais", disse o juiz Brian M. Cogan.

No entanto, ele condenou Gioeli a quase 19 anos de prisão, dizendo que o sistema prisional federal oferece bons tratamentos médicos.


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