Folha de S. Paulo


De extrema direita, Frente Nacional conquista adeptos no interior francês

Na pitoresca cidade de Villers-Cotterêts, na Picardia, a corretora imobiliária Sylvie Delpierre sorri com orgulho.

Desde a eleição de um prefeito da Frente Nacional, de extrema direita, no ano passado, ela acha que muitos clientes que estão deixando os subúrbios conturbados de Paris em busca de calma na zona semirrural ficam "aliviados e felizes" ao ouvir quem comanda a cidade.

Pascal Guyot/AFP
A líder do partido Frente Nacional, Marine Le Len
A líder do partido Frente Nacional, Marine Le Len; sigla conquista adeptos no interior da França

"Este lugar está mais sereno: há menos tensão, vemos mais patrulhas policiais, e os impostos locais diminuíram", disse.

Houve época em que Delpierre, 50 anos, achava que votar na Frente Nacional era "tabu, algo totalmente reprovado". Para ela, era inconcebível dizer a seus pais que sempre tinha votado em Jean-Marie Le Pen em segredo.

Segundo ela, o fundador do partido e ex-paraquedista foi historicamente atacado por todos os lados: seu partido era criticado por seus vínculos neonazistas e antissemitismo, e o próprio Le Pen foi condenado por contestar crimes contra a humanidade, depois de dizer que a ocupação nazista da França não foi "particularmente inumana".

Mas Delpierre acha que hoje Marine Le Pen, filha do fundador e nova líder da extrema direita, agrada às massas. "Apenas a Frente Nacional pode consertar a economia e restaurar a imagem da França no palco mundial", disse. "Marine Le Pen tem presença. Ela é nossa Angela Merkel, uma mulher que consegue se impor."

Neste fim de semana, os franceses vão votar no primeiro turno das eleições locais, e o governo se mostra receoso com a ascensão aparentemente irrefreável da Frente Nacional.

A previsão é que o partido nacionalista, anti-imigração e anti-Europa —que quer abandonar o euro, restaurar a pena de morte, restringir a imigração e favorecer os franceses em detrimento de imigrantes na hora de distribuir benefícios sociais— saia em primeira posição no primeiro turno, recebendo cerca de 30% do voto nacional, à frente da UMP, de direita, e muito à frente do Partido Socialista, no poder.

MUDANÇA

Isso assinala uma mudança importante. Historicamente, a Frente Nacional representou um voto nacional de protesto. O paritdo tinha muito pouca organização local e pouca presença de base. Hoje, porém, ela está deitando raízes em todo o país. E suas novas bases locais representam os alicerces da candidatura presidencial de Marine Le Pen em 2017.

Depois de sair à frente nas eleições europeias do ano passado, a FN já se descreve como "o primeiro partido da França". Após as eleições municipais do ano passado, o partido hoje tem 11 prefeitos e mais de 1.500 vereadores, superando sua época áurea anterior, na década de 1990, quando chegou a ter quatro prefeitos.

As pesquisas de intenção de voto indicam que Le Pen teria condições de nocautear um rival de direita ou de esquerda e chegar ao segundo turno da eleição presidencial de 2017, repetindo o sucesso inesperado de seu pai em 2002.

Mas, embora a maioria dos analistas pense que ela jamais conseguirá apoio suficiente para chegar ao Eliseu, o primeiro-ministro Manuel Valls disse recentemente: "Temo por meu país". Ele avisou que existe uma possibilidade concreta de Le Pen ganhar a próxima eleição presidencial.

Benoît Tessier - 19.fev.2014/Reuters
Manuel Valls, o novo premiê da França, ao sair de reunião ministerial em fevereiro, quando ocupava a pasta do Interior
Manuel Valls, o novo premiê da França, ao sair de reunião ministerial em fevereiro

O departamento de L'Aisne, na Picardia, é visto como símbolo da ascensão de Le Pen, e é provavelmente nele que a Frente Nacional terá seu melhor desempenho na eleição deste fim de semana.

L'Aisne possui todos os ingredientes propícios a um comparecimento grande de eleitores de extrema direita às urnas: uma taxa de desemprego de 14% (muito superior à média nacional), fechamentos de fábricas, população que se esforça para sobreviver e uma população substancial de classe trabalhadora e pouco politizada.

Esta região do norte da França é semirrural, com plantações de cereais e beterraba que se estendem pelas planícies, mas um terço de seus empregos na indústria desapareceu nos últimos 15 anos, e muitas pessoas viajam diariamente para trabalhar nos arredores do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris.

A Frente Nacional descreve a região como "a França dos esquecidos". Foi para cá, para a floresta que cerca Villers-Cotterêts, que os irmãos Kouachi —os terroristas que atacaram o semanário satírico "Charlie Hebdo" em janeiro-fugiram e desapareceram por uma noite antes de reaparecer para fazer um refém numa gráfica nas redondezas.

A Picardia também fez manchetes recentemente com a notícia da prisão de membros de uma gangue criminosa violenta de skinheads de extrema direita.

Franck Briffaut, prefeito de Villers-Cotterêts pela Frente Nacional e candidato a vereador nas eleições locais deste fim de semana, disse que os prefeitos de seu partido são a vanguarda de um novo movimento de bases.

O ex-militar, que integrou a tropa francesa da ONU que serviu no Líbano, entrou para o partido em 1977 e foi eleito prefeito no ano passado. "Inicialmente as pessoas nos tratavam com desconfiança, mas hoje percebem que somos dignos de crédito e tão competentes quanto qualquer outro partido para comandar a cidade." Segundo ele, o avanço da FN rumo ao poder é "inexorável em todos os níveis: local, parlamentar e presidencial".

Uma das primeiras e polêmicas medidas de Briffaut foi cancelar a comemoração feita na cidade da abolição da escravidão. O fato foi recebido com consternação, inclusive pelo presidente François Hollande, porque Villers-Cotterêts foi a cidade do revolucionário general Dumas, filho de um nobre francês e uma escrava africana e pai do escritor Alexandre Dumas.

Briffaut disse que a abolição da escravidão foi uma coisa positiva, mas que ele era contra o "sentimento de culpa permanente" que tomou conta da França.

PREFEITOS DA FRENTE NACIONAL

Outros prefeitos da Frente Nacional eleitos no ano passado também geraram controvérsia. A maioria deles reduziu os impostos locais e cortou as verbas dadas a organizações como grupos de defesa dos direitos humanos.

Robert Ménard, ex-diretor da ONG Repórteres Sem Fronteiras e atual prefeito de Béziers, no sul do país, decretou um toque de recolher para menores de 13 anos, proibiu que se estendam roupas para secar em sacadas de prédios e armou a polícia.

Mas uma pesquisa de opinião feita este mês mostrou que 73% dos moradores de cidades com prefeitos da FN estão satisfeitos com os prefeitos, um índice de aprovação superior à média nacional. Mesmo assim, 58% dos moradores consideram que seus prefeitos da Frente Nacional são "sectários".

E a corrida da FN para encontrar milhares de candidatos a vereadores nas eleições departamentais locais deste fim de semana suscitou críticas de que o partido teria às vezes escolhido representantes não avaliados previamente, idosos demais ou questionáveis.

Análises de contas de mídia social revelam alegações de racismo declarado, homofobia, islamofobia e antissemitismo; tudo isso destoa da campanha de Marine Le Pen para "desintoxicar" o partido e mudar sua imagem.

No mês passado um candidato no sudoeste foi eliminado das listas do partido por ter postado declarações antissemitas no Facebook. O partido disse que seus candidatos que cometerem qualquer infração enfrentarão procedimentos disciplinares.

VOTO DE PROTESTO

Em Villers-Cotterêts, um açougueiro aposentado comentou: "O voto na Frente Nacional é um voto de protesto contra a esquerda e a direita tradicionais, que são vistas como ineficazes e fora de contato com a população. Eu não me sinto tentado, mas compreendo que a vida está difícil e o povo está farto." Num conjunto habitacional social, uma desempregada, mãe de dois filhos, disse que vai votar na FN porque "há estrangeiros demais e eles recebem benefícios demais".

Nonna Mayer, especialista na extrema direita e professora no Instituto de Estudos Políticos de Paris, disse: "As pessoas que mais tendem a votar na FN são as que vivem um pouco acima do limiar de precariedade: têm emprego, algumas qualificações, podem ter casa própria ou ainda estar pagando por ela e têm medo de perder aquilo que trabalharam tanto para conquistar -têm medo de despencar pela ladeira social".

Emilie, 32, outra corretora imobiliária em Villers-Cotterêts, opinou: "É muito fácil outros partidos políticos dizerem que a Frente Nacional é um partido de fascistas e racistas, mas isso é totalmente falso. Não dissemos que rejeitamos estrangeiros -só queremos que as pessoas joguem segundo as regras e se integrem à França. Que respeitem as leis francesas, não nos imponham o uso do véu, não cuspam sobre nosso hino nacional. Somos patriotas."

Tradução de CLARA ALLAIN


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