Folha de S. Paulo


Análise: Premiê de Israel quer pôr causa palestina em segundo plano

Os reflexos do discurso de Binyamin Netanyahu ao Congresso americano, no início do mês, mostram que ele buscava vencer as eleições em Israel a qualquer custo. Mesmo que isso arruinasse as relações com Washington.

O cálculo de Netanyahu consiste em recolocar o Irã no epicentro da discussão israelense, para extrair vantagem política. Concretamente, um ataque israelense às instalações nucleares do Irã seria de baixa eficácia e elevado custo político e militar.

Lucas Jackson - 27.set.2012/Reuters
Netanyahu mostra cartaz em que mostra os avanços nucleares do Irã, em 2012
Netanyahu mostra cartaz em que mostra os avanços nucleares do Irã, em 2012

A mais mítica das hipóteses consiste em como a Arábia Saudita poderia ajudar Israel a bombardear o Irã.

Apesar de haver interesses simétricos na contenção do programa nuclear iraniano, a monarquia saudita tem bem calculado o risco e as consequências se liberar seu espaço aéreo para livre navegação da força aérea israelense.

De largada, os sauditas minariam seu prestígio no mundo muçulmano e colocariam sua liderança sub judice.

O reino saudita está em desvantagem no xadrez regional, e as peças iranianas são mais fortes, atualmente.

À disposição de Teerã há um vasto cardápio de medidas retaliatórias. As primeiras consequências poderiam ser intervenções mais incisivas no Bahrein e no Iêmen.

Uma segunda retaliação viria em forma de bloqueio a navegação de cargueiros sauditas no estreito de Hormuz.

Ademais, no espectro macropolítico, os reflexos de uma eventual decisão saudita de cooperar militarmente com Israel contra a maior nação do mundo muçulmano xiita colocará em risco o ascendente consenso de divisão de poder em países de elevada sensibilidade sectária, como Iraque e Líbano.

Como derradeira cartada, os iranianos têm ainda ao seu alcance a possibilidade de armar a marginalizada população xiita na província oriental do reino saudita, provocando uma rebelião armada.

Contra Israel, os iranianos tem à sua disposição mísseis balísticos e uma força aérea que poderá navegar pelo espaço aéreo iraquiano e sírio.

Na diplomacia, Washington trabalha com cenário de pragmatismo e calibrado espaço de manobra para alcançar um acordo equilibrado.

Os americanos não querem ser sugados para uma guerra com o Irã movidos pelo descontentamento de sauditas ou pelos erros políticos de Netanyahu que isolaram Israel internacionalmente.

Uma guerra, além de danificar os interesses americanos na região, atrairia, incondicionalmente, a Rússia ao conflito. E, não menos, despertaria a fúria da China.

Não se pode omitir, contudo, a sinergia entre os objetivos saudita e israelense. Ambos querem melar o acordo nuclear e manter os iranianos isolados e sob duras sanções.

Dessa equação, a expectativa de Netanyahu é transformar o Irã no principal inimigo do mundo árabe em vez de Israel, e converter a causa palestina em tema secundário na agenda regional.

Por ora, Tel Aviv e Riad não conseguiram alinhar suas táticas. Enquanto isso, em Teerã, ninguém leva as ameaças israelenses a sério.

HUSSEIN KALOUT é cientista político brasileiro e pesquisador da Universidade Harvard


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