Folha de S. Paulo


Refugiados usam tecnologia para diminuir exclusão social

"Minha mulher troca o chip do celular toda semana", diz Omid, refugiado iraniano que não vê a mulher há sete anos, enquanto espera uma decisão sobre sua solicitação de asilo no Reino Unido. O casal usa o Viber, um aplicativo que permite telefonemas gratuitos via internet, mas a mulher tem medo constante de estar sendo vigiada. Omid é procurado pelo governo iraniano por delitos políticos. Ele também se converteu ao cristianismo, e sua mulher teme discutir a nova religião do marido, já que até membros da família dele o definiram como infiel.

Os refugiados podem estar entre as pessoas mais excluídas da sociedade, mas novas tecnologias ainda assim desempenham papel crucial nas vidas de muitos deles. Em todo o planeta, refugiados buscam maneiras de usá-las para manter sua conexão com famílias, pátrias e causas políticas, de maneiras que seriam impossíveis uma década atrás —ainda que isso possa ter implicações de segurança. Diversos refugiados, especialmente os sírios, dizem usar o aplicativo de mensagem para celulares WhatsApp porque acreditam que as mensagens trocadas por meio dele sejam seguras. Mas não está claro se as mensagens trocadas via WhatsApp podem ser hackeadas ou interceptadas.

Ismail Einashe, jornalista britânico de origem somali especializado em questões africanas, explicou outra maneira pela qual a mídia social está mudando a experiência dos refugiados. Ele conta como seu primo adolescente, que fugiu da Somália para a Áustria, usa o Facebook para postar fotos e criar uma imagem de sucesso e felicidade. Mas isso também pode esconder as dificuldades de uma vida como refugiado.

"Meu primo busca inspiração no hip-hop norte-americano. Usa bonés de beisebol e jeans largos —e assim seus amigos na Somália veem um 'outro' glamouroso, e não percebem o alto desemprego e a pobreza entre os refugiados. Isso em parte serve para encorajar a geração mais jovem. Antes, as pessoas não viam como podia ser a vida do outro lado, e agora são capazes de vê-la", ele disse à "Index on Censorship".

Quase todos os refugiados entrevistados para este artigo disseram que os telefonemas gratuitos via Skype e a capacidade de manter contato com parentes gratuitamente usando plataformas sociais, como o Facebook, são inestimáveis para eles. Mas para algumas pessoas, compartilhar histórias sobre o exílio vai além das simples mensagens e atualizações de status. Alguns refugiados usam blogs e canais de mídia social para postar conteúdo proibido em seus países, e tentar combater a repressão da qual escaparam.

Moses Walusimbi fugiu das leis de combate à homossexualidade em Uganda e se radicou na Holanda, onde agora opera o Uganda Gay On Move, um movimento via blog, Facebook e Twitter que ajuda os ugandenses e africanos gays que fugiram à perseguição, e oferece informações àqueles que ficaram para trás e continuam sob ameaça. "Quando vim para a Holanda, percebi que quanto mais você mantiver o silêncio, mais sofre", disse Walusimbi à "Index on Censorship". "Fiquei muito ansioso por saber se existiam outros ugandenses como eu na Holanda, na mesma situação. E quando comecei essas coisas nas mídias sociais, muitos ugandenses responderam".

O movimento que ele criou agora tem 9.000 seguidores no Facebook, que Walusimbi define como a plataforma mais popular para seu conteúdo. Ele também tem seguidores no Twitter e seu blog, o Uganda Gay On Move, está oferecendo uma rede de apoio que vai além da simples publicação de posts, e exibe muitas fotos de reuniões entre seus integrantes, por razões sociais e políticas.

"O Uganda Gay On Move é como uma família para nós agora. É como uma família porque nos unimos, discutimos, encontramos soluções", disse Walusimbi. Essas soluções incluíram petições lançadas pelo grupo e lobby no Legislativo holandês para conscientizar o país quanto à negação de direitos humanos aos gays ugandenses e outros africanos. O movimento também publica informações que ajudam pessoas em busca de asilo a administrar seus casos e recolher provas. Mas Walusimbi ainda se preocupa sobre os ugandenses que poderiam ser sentenciados à prisão apenas por ler os posts do grupo.

"Os ugandenses [gays], a não ser que sejam conhecidos defensores dos direitos humanos, tendem a usar nomes falsos no Facebook. Também existe o perigo de pessoas que recorrem a cibercafés mas esquecem de sair de suas contas ao ir embora. E além disso existe o perigo, conheço muitos casos como esse, de que pais ou amigos vejam páginas de Facebook que alguém deixou abertas em casa. Algumas pessoas foram expostas dessa maneira".

Melanie Nathan, ativista LGBT e editora que trabalha em estreito contato com os movimentos LGBT africanos, disse à "Index on Censorship" que "usar o Facebook pode resultar em encontros ou confidências que envolvem revelação de nomes reais, e em consequência disso em exposição a ciladas das autoridades". Walusimbi confirma que existem casos reais em que isso aconteceu.

Os blogs de e para refugiados de várias zonas de conflito estão expandindo suas audiências. O blog Medeshi Somaliland é um exemplo. Foi fundado em 2007 por Mo Ali, devido ao desejo de manter contato com sua família dispersa e com a diáspora somali. Ali deixou a Somália e solicitou asilo ao Reino Unido em 2004. O trabalho de agregação e criação de conteúdo que ele realiza rapidamente se tornou mais político. "Existem muitos sites sobre a Somália, e as pessoas que os publicam lá são perseguidas pela polícia e ordenadas a fechar os sites porque eles criticam o governo pela restrição à liberdade de expressão e de imprensa", disse Ali à "Index on Censorship", afirmando conhecer pelo menos três sites que foram fechados e explicando por que tem de publicar seu conteúdo no exterior.

Mesmo publicando no Reino Unido, ele não se sente seguro. "Recebi ameaças de morte via e-mail, mas publiquei as ameaças online e nada aconteceu. Continuo vivo. Era só intimidação". Como no caso do Uganda Gay On Move, Ali usou os seguidores de seu blog para promover campanhas, e em 2010 e 2012 reuniu mais de mil deles diante do Parlamento, em Londres, em uma manifestação pelo reconhecimento da Somália.

Os refugiados estão trabalhando por conta própria e com criadores de software e conteúdo para descobrir maneiras específicas de contar suas histórias. O Dadaab Stories e o Refugee News, a ele relacionado, são dois dos mais elegantes projetos que usaram o poder das ferramentas sociais gratuitas (especialmente o Tumblr e o YouTube) para ajudar refugiados a publicar histórias. Nesses casos, profissionais de cinema e refugiados trabalharam juntos a fim de criar cobertura permanente na mídia social sobre o campo de refugiados somalis no Quênia.

Plataformas de tecnologia disponíveis mundialmente e gratuitas ajudam, mas agora estão emergindo ferramentas, plataformas e projetos dirigidos especificamente aos refugiados, para permitir que se organizem autonomamente e se conectem digitalmente.

A Refunite é uma rede social criada para conectar famílias dispersas e com baixo acesso à tecnologia, depois que elas tiveram de deixar seus lares. Ela permite que refugiados se mantenham anônimos para todo mundo exceto os membros de suas famílias, o que ajuda aqueles que não são capazes de se registrar junto a instituições formais porque são apátridas ou estão aguardando decisões sobre asilo. A plataforma no momento atinge mais de 500.000 refugiados e o objetivo é atingir a marca de 1 milhão de conectados até o final do ano. Ela foi concebida para funcionar com tecnologia móvel de baixa sofisticação, para garantir que praticamente todo mundo tenha acesso a ela. O sistema pode ser acessado até por uma ferramenta de resposta de voz ou por aplicativos de mensagens de texto, para pessoas analfabetas ou desprovidas de acesso à Internet.

Tecnologias de baixo custo e de baixa dificuldade de acesso como essas estão provando ser parte essencial para a conexão dos refugiados em momentos de crise. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) vem contando ao mundo a história do campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, usando o Twitter – o campo alega ser o primeiro do planeta a ter conta oficial nessa rede social. Nasreddine Touaibia, técnico em comunicações do UNHCR que trabalha no campo, descreveu como o WhatsApp, um aplicativo de mensagens de custo baixo ou zero, está sendo usado pelos refugiados sírios para se auto-organizarem. "Mensagens urgentes são enviadas a esses grupos e elas são refletidas no grupo de Facebook do campo mais tarde. É como uma rede de transmissão de emergência própria do campo", ele disse à "Index on Censorship", contando como o WhatsApp foi usado para transmitir alertas de emergência quando de uma inundação no acampamento.

A start-up de tecnologia sul-africana Vumi agora tenta aproveitar essa tendência de usar sistemas de mensagens de baixo custo a fim de criar produtos tecnológicos que possam facilitar a auto-organização dos refugiados em escala maior. A plataforma da empresa usa sistemas de mensagens móveis em massa e navegadores de baixo uso de dados a fim de permitir acesso a informações cívicas.

Explorando o sucesso que obteve na Líbia ao acionar tecnicamente a Wikipedia Zero (um projeto da Wikipedia Foundation que oferece acesso à Wikipedia sem cobrança de taxas de consumo de dados pelas operadoras de 35 países) e distribuir informações aos eleitores, a companhia agora está planejando um projeto cujo foco é facilitar a vida dos refugiados, em parceria com a Lawyers for Human Rights, uma ONG sul-africana que trabalha principalmente com refugiados na África do Sul.

Várias ONGs e outros serviços também estão usando a mídia social para oferecer plataformas que ajudem refugiados a se reacomodar em novos destinos. Elas em geral têm base regional e o objetivo é ajudar os refugiados a compreender os novos contextos jurídicos e sociais em que estão inseridos.

No Reino Unido, organizações como o Refugee Council e a Bail for Immigration Detainees oferecem recursos online para ajudar refugiados a montar e compreender seus casos judiciais. A Migrant Voice, outra organização sediada no Reino Unido, oferece treinamento e recursos que permitem que imigrantes, dentre os quais refugiados, publiquem e comuniquem suas histórias.

Os refugiados e imigrantes certamente se beneficiam dos usos de mídia social que também beneficiam os demais usuários da Internet; mas as plataformas que começam a surgir nessa área específica podem ajudar a quebrar o modelo tradicional do imigrante solitário e isolado. Ferramentas especificamente concebidas para atender às necessidades dos excluídos têm o potencial de criar mudanças mais significativas em um mundo unido por redes.

A versão original deste artigo foi primeiramente publicada na revista trimestral "Index on Censorship" (http://www.indexoncensorship.org/subscribe), que está baseada em Londres e cobre assuntos relacionados à liberdade de expressão em todo o mundo.

JASON DAPONTE foi editor da BBC mobile e fundador do site The Swarm. Sua conta no Twitter é @jasondap.
IBRAHIM ZANTA colaborou

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: