Folha de S. Paulo


Opinião: Uma "democradura" se instala na Venezuela

As forças policiais e os grupos paramilitares dos "camisas vermelhas" chavistas fizeram dezenas de vítimas entre os jovens que há mais de um ano protestam sem parar em toda a Venezuela. Às prisões e torturas somam-se o amordaçamento da mídia e medidas contra qualquer oposição política ao regime.

Depois de ter forçado Manuel Rosales ao exílio, para evitar a prisão, em fevereiro de 2014 o poder chavista encarcerou sem julgamento Leopoldo López, que já tinha sido impedido de candidatar-se em qualquer eleição graças a um processo judicial sem fundamento (medida condenada pelo Tribunal de Direitos Humanos de San José, que o governo venezuelano não reconhece mais).

Depois, no final de fevereiro de 2015, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma (eleito após o processo de inelegibilidade movido contra López), foi preso, com o argumento infundado de participação em um complô, e, mais recentemente, o mesmo aconteceu a Julio Borges, outra figura da esquerda democrática por sua vez acusada de conspiração e detida igualmente sem julgamento.

Apesar das afirmações do poder, não existe nenhuma prova que fundamente essas acusações de tentativa de golpe de Estado. De fato, o poder que domina o sistema judiciário quer eliminar todas as grandes figuras políticas da oposição que tenham chances de ganhar as eleições.

Isso porque, depois de ter posto em ação um sistema maciço de compra de votos, o poder hoje se encontra encurralado, privado de uma parte importante da receita derivada do petróleo. E a catastrófica gestão do país produziu uma situação econômica e social terrível.

Sem distribuir o maná clientelista, o poder se endurece na repressão da mídia, da juventude, da oposição política. Maduro, "o homem de Cuba", hoje segue fielmente os conselhos e as práticas de seus mentores.

A eleição no sistema chavista é a antítese da eleição democrática, que Claude Lefort descreve como a institucionalização da incerteza. As condições da eleição chavista são organizadas de modo a garantir, pelo contrário, a maioria dos votos ao poder instalado, ao partido-Estado.

Mesmo assim, não obstante as condições muito desiguais, desde 2006 assistimos a uma erosão eleitoral contínua do PSUV, ao fortalecimento da oposição e à perda da hegemonia ideológica chavista.

Mas é uma "democradura" (ditadura disfarçada de democracia pela realização de eleições) que foi instalada, e hoje a ditadura se revela em toda sua dimensão autoritária e repressiva.

Apesar da resistência ferrenha da oposição e do desespero crescente da população, submetida à penúria e à violência, a assistência e o apoio internacionais se revelam hoje sem dúvida indispensáveis para encontrar uma via pacífica de saída da ditadura e construir um consenso nacional democrático.

RENÉE FREGOSI é filósofa e diretora de pesquisas em ciência política no Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL) da Universidade Paris 3 - Sorbonne Nouvelle


Endereço da página:

Links no texto: