Folha de S. Paulo


Garotas são responsáveis por estupro, diz agressor condenado na Índia

Um dos acusados pelo estupro coletivo e pelo assassinato de uma estudante em 2012 em Nova Déli, condenado à morte pela Justiça indiana, afirmou em entrevista que garotas "são muito mais responsáveis pelo estupro" do que garotos. O episódio, à época, provocou comoção mundial e protestos na Índia por justiça.

Mukesh Singh, um dos cinco homens condenados pelo crime, disse que a vítima não deveria estar fora de casa naquela hora da noite.

"Uma garota descente não anda pelas ruas às 21h", afirmou Singh. "Garotas devem cuidar da casa, não ir a boates e bares à noite para fazer coisas erradas, usando roupas inadequadas. Por volta de 20% das garotas são boas".

A afirmação foi feita durante uma entrevista concedida à cineasta britânica Leslee Udwin.

Altaf Qadri/AP
A cineasta britânica Leslee Udwin fala sobre entrevista com condenado por estupro na Índia
A cineasta britânica Leslee Udwin fala sobre entrevista com condenado por estupro na Índia

"O que eu compreendi ao entrevistá-lo e o que achei mais assustador foi a ideia e a maneira como ele vê as mulheres, que é extremamente chocante", declarou Udwin a jornalistas.

"Ele não manifestou nenhum tipo de remorso, nem por um segundo durante as 16 horas [de entrevista]. Muito pelo contrário. A atitude de Mukesh é dizer 'Por que estão fazendo tanto caso pelo que aconteceu? Todo mundo faz isso'", acrescentou a cineasta ao apresentar seu documentário na capital indiana.

O filme "Indian's Daughter" (Filha indiana, em tradução livre) deve ser exibido no domingo (8), Dia Internacional da Mulher, na Índia, no Reino Unido e em outros cinco países.

A estudante de fisioterapia morreu em decorrência dos ferimentos sofridos 13 dias após ter sido atacada em um ônibus quando retornava do cinema com seu namorado, em dezembro de 2012.

O crime provocou forte comoção mundial e manifestações em massa na Índia contra a inação das autoridades e a impunidade dos agressores sexuais.

A agressão pôs em evidência o elevado nível de violência contra as mulheres na Índia e deu início a um endurecimento da lei contra a violência sexual.

Em sua entrevista, Singh declarou que a vítima não deveria "passear às nove da noite" e que uma "garota é muito mais responsável pelo estupro do que um garoto".

Segundo a diretora, o homem não expressou nenhum tipo de emoção ao tomar conhecimento dos ferimentos sofridos pela vítima.

"Ele se comporta quase como se fosse um robô. Eu tentei de tudo, todos os truques que conhecia para que ele esboçasse alguma emoção, que uma lágrima viesse aos olhos ou que demonstrasse algum remorso", disse Udwin.

Os parentes da vítima condenaram as palavras de Singh, que provocaram reações indignadas durante debates televisionados.

"A sociedade indiana é tal que ela pensa que o estupro é normal, que o estupro faz parte da condição da mulher", afirma o sociólogo Shiv Visvanathan à AFP.

"A nossa atitude em relação ao estupro é tal que responsabiliza a vítima, enquanto o homem nunca está em questão", acrescenta.

Singh admitiu ter dirigido o ônibus no qual a jovem foi estuprada, mas negou ter participado do estupro. Ele recorreu da sentença.

Três outros homens foram condenados à morte, enquanto um menor envolvido na agressão foi condenado a três anos de prisão. Um outro agressor morreu na prisão antes de ser julgado.


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