Folha de S. Paulo


Repressão, exílio e morte reduzem fileiras de dissidentes russos

Com o assassinato de Boris Nemtsov, a assediada oposição liberal russa perdeu uma de suas últimas vozes audíveis. Depois das eleições parlamentares do final de 2011, houve um período breve em que a dissensão popular estava em alta, e grandes comícios tomaram conta de Moscou.

Mas o otimismo se dissipou quando Putin conquistou mais uma vitória retumbante nas eleições presidenciais de março de 2012. No dia antes de sua posse, um protesto enorme virou violento. Num sinal de que nenhuma radicalização seria tolerada, vários manifestantes foram levados a julgamento, em muitos casos por delitos muito leves, e ameaçados com anos de prisão.

Desde então o ânimo da oposição tem estado em baixa, com liberais urbanos ou fazendo planos para deixar a Rússia ou simplesmente levando a vida adiante, sentindo que têm mais a perder que a ganhar fazendo protestos.

O Parlamento russo é dominado pelo partido Rússia Unida, pró-Putin, mas também tem três partidos que nominalmente são de oposição: o Rússia Justa, o Liberal Democrático e o Comunista.

Esses partidos têm horários para se manifestar na televisão e, especialmente no caso do Partido Comunista, contam com um eleitorado genuíno; mesmo assim, podem ser mais bem descritos como "oposição sistêmica", controlada pelo Kremlin.

Entre a oposição "não sistêmica", há poucos políticos com perfil nacional; por terem acesso restrito à televisão pública, é difícil conquistarem uma plataforma real. Assédio, ameaças e exaustão levaram muitos outros à prisão ou ao exílio. Agora que Nemtsov foi silenciado, as principais figuras oposicionistas ainda restantes são as seguintes:

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Kay Nietfeld/Efe
O opositor russo Mikhail Khodorkovsky durante entrevista coletiva concedida a jornalistas em Berlim
O opositor russo Mikhail Khodorkovsky durante entrevista coletiva concedida a jornalistas em Berlim

MIHKAIL KHODORKOVSKY

No passado o homem mais rico da Rússia, Khodorkovsky foi encarcerado em 2003 por acusações vistas amplamente como tendo sido politicamente motivadas, depois de ter começado a financiar partidos políticos. Ele passou uma década na prisão, mas foi solto em dezembro de 2013 quando Putin o anistiou.

Khodorkovsky foi levado imediatamente a Berlim e hoje vive em Zurique. Em dezembro ele disse ao "Guardian" acreditar que será preso se retornar à Rússia.

Ele criou a Fundação Rússia aberta e disse que está preparado a "fazer tudo o que for preciso" para mudar o regime em seu país. Contudo, embora Khodorkovsky possa ter impressionado a alguns com o estoicismo com que resistiu a dez anos de prisão, a maioria dos russos tem pouco apreço por quem ganhou bilhões na década de 1990.

E não está claro até que ponto ele pode influir sobre a política russa, não estando no país.

Alexey Sazonov/AFP
Garry Kasparov, campeão mundial de xadrez e oposicionista russo, em foto de 2007
Garry Kasparov, campeão mundial de xadrez e oposicionista russo, em foto de 2007

GARRY KASPAROV

O ex-campeão mundial de xadrez tornou-se crítico ferrenho de Putin e foi presença frequente em eventos oposicionistas durante muitos anos, sendo frequentemente detido pela polícia.

Em 2012, numa coletiva de imprensa em Genebra, anunciou que tinha decidido não retornar à Rússia porque, depois de Navalny e outros ativistas da oposição terem sido acusados criminalmente, temia que o mesmo pudesse lhe acontecer.

Vasily Maximov/AFP
Alexei Navalny, em foto de 24 de fevereiro de 2014, quando foi preso em protesto contra Justiça russa
Alexei Navalny, em foto de 24 de fevereiro de 2014, quando foi preso em protesto contra Justiça russa

ALEXEI NAVALNY

Blogueiro e advogado que ganhou número enorme de seguidores por suas investigações da corrupção entre a elite de Putin, Navalny ganhou destaque durante a onda de protestos de rua em Moscou no final de 2011 e foi amplamente visto como a maior esperança da oposição.

Algumas pessoas acham suas posições nacionalistas russas preocupantes, mas outros observam que elas podem ajudar a lhe angariar apoio mais amplo entre russos que normalmente não apoiariam a oposição.

Desde que ganhou destaque, Navalny vem enfrentando uma onda de problemas burocráticos e legais, incluindo dois processos judiciais grandes. No final do ano passado ele recebeu uma sentença suspensa num julgamento por fraude, mas seu irmão foi sentenciado a três anos e meio de prisão.

Navalny diz que, na prática, as autoridades fizeram seu irmão de refém para tentar impedi-lo de fazer seu trabalho político, mas ele prometeu seguir adiante. Ele não esteve presente na marcha do domingo em Moscou, tendo sido preso por 15 dias quando distribuía folhetos de divulgação da marcha.

Naquele momento, o evento estava previsto para ser uma "manifestação de protesto contra a crise", não uma homenagem a Nemtsov.

IGOR STRELKOV

Aventa-se há muito tempo que a ameaça popular grave a Putin vem não dos liberais mas dos nacionalistas, e essas forças foram revigoradas pela guerra no leste da Ucrânia. Na verdade, uma teoria reza que grupos nacionalistas irregulares podem ser responsáveis pela morte de Nemtsov.

Fã de encenações de batalhas militares, Strelkov combateu pela Rússia na Tchetchênia e, mais recentemente, ajudou a coordenar o movimento rebelde pró-Rússia no leste da Ucrânia. Chamado de volta a Moscou depois de aparentemente ter se rebelado contra o comando, disse acreditar que a Rússia vai mergulhar em guerra em breve.

"A análise que ele faz é simples", disse Alexander Borodai, outro líder russo dos rebeldes de Donbass. "Há uma crise no país, o governo vai cair em breve e, na inevitável guerra civil que virá a seguir, Igor Strelkov comandará forças patrióticas e tornará o ditador do que restar da Rússia."

O cenário parece improvável, mas não há dúvida que a possibilidade de a promoção do nacionalismo russo no conflito armado da Ucrânia ter soltado um gênio de uma garrafa está sendo objeto de reflexão séria.

SERGEI UDALTSOV

Rosto familiar nos protestos da oposição há anos, Udaltsov, 38 anos, é um esquerdista radical de linha dura que já foi detido várias vezes em manifestações. Ele foi acusado dentro do processo por "distúrbios de massa" movido após um protesto de maio de 2012 ter descambado em violência, sendo sentenciado a quatro anos e meio de prisão.

A partir da prisão, disse que liberais e esquerdistas precisam seguir seus caminhos diferentes agora, devido à suas posições diferentes em relação ao conflito na Ucrânia, e, embora ainda faça oposição a Putin, ele faz um chamado a uma nova união das forças de extrema esquerda.

Tradução de CLARA ALLAIN


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