Folha de S. Paulo


Saara Ocidental anseia por um Estado, mesmo que pela guerra

Ghalla Sid Ahmed e sua mãe vivem em um povoado isolado no deserto, sobrevivendo graças a cinco cabras e a uma pensão de guerra. Exiladas há 40 anos, elas são impedidas de chegar à sua terra por uma muralha de areia patrulhada constantemente que se estende por 2.500 quilômetros nesta parte remota do Saara.

Elas são vítimas de um dos últimos conflitos remanescentes da Guerra Fria. Os combates cessaram há 24 anos, desde que foi acordado um cessar-fogo monitorado pela ONU entre o Marrocos e a Frente Polisário, movimento de resistência anticolonial que luta pela independência do Saara Ocidental.

Mas tampouco houve paz, apesar das promessas (não cumpridas) de um referendo para determinar o status do Saara Ocidental.

Johan Persson /The New York Times
Tasalm Albachir Hachim, 48, vive em Tifariti; ela não vê seus parentes do Saara Ocidental desde 1975
Tasalm Albachir Hachim, 48, vive em Tifariti; ela não vê alguns de seus parentes desde 1975

Hoje os habitantes do território se mobilizam para buscar uma solução, mesmo que pela guerra. "Gostamos daqui", disse Ahmed, 51, "mas é muito difícil viver sem independência e sem o resto de nossas terras. Ninguém quer guerra, mas, se a paz não trouxer resultados, então eu darei todos meus filhos para conquistar a independência."

O Saara Ocidental se estende da Argélia e da Mauritânia, no leste, até a costa do Atlântico.

O Marrocos ocupa a maior parte do território, e soldados marroquinos patrulham a muralha de areia erguida originalmente para fortificar a linha de frente no conflito, mas que ainda divide os habitantes nativos, algumas centenas de milhares de nômades berberes, ou sarauís.

Uma força das Nações Unidas monitora o cessar-fogo a partir de meia dúzia de campos. Ao leste, a Frente Polisário controla uma faixa estreita de território e um grupo de campos de refugiados na Argélia. O Polisário ainda é a única entidade que rege a comunidade refugiada. Sua mensagem socialista de solidariedade na luta pela independência não é questionada.

Soldados do Polisário patrulham o deserto, enquanto civis, muitos dos quais mulheres, administram serviços educativos e sociais. Dirigentes do movimento dizem que, quando houver independência, vão adotar uma democracia pluripartidária.

O Saara Ocidental foi um protetorado da Espanha no passado. Em 1975, ele foi ocupado pelo Marrocos e brevemente pela Mauritânia. Os sarauís tinham formado uma resistência armada contra os espanhóis e depois passaram a combater o Exército marroquino.

Eles formaram a Frente Polisário em 1973, um movimento guerrilheiro socialista de estilo latino-americano que recebeu apoio de Cuba, da Líbia, da Argélia e, mais tarde, da África do Sul pós-apartheid. A vizinha Argélia, que abriga os refugiados sarauís, ainda é a maior fonte de apoio do Polisário.

Embora gerações estejam crescendo sem nunca terem conhecido sua pátria de origem, a sede de independência não diminuiu. Um grupo de jovens que caminhava de suas tendas para o centro de Tifariti citou apenas um problema em sua vida: "O Marrocos".

O Marrocos já desistiu há muito tempo do referendo aventado e insiste que os sarauís aceitem a autonomia dentro do reino do Marrocos. O país reage fortemente contra a oposição. Em 2010, desmontou um acampamento de protesto de sarauís e encarcerou ativistas. Em novembro passado, o rei Mohamed 6°, do Marrocos, declarou que o Saara Ocidental vai continuar a fazer parte do Marrocos por toda a eternidade.

Mas os moradores de Tifariti não esquecem as promessas de assistência dadas por outros países. "Quero que você leve aos EUA uma mensagem de pedido de ajuda, ajuda para conquistarmos a independência", falou outra das filhas de Ahmed, Tofa, 58. "Somos um povo; fomos atacados em nossa terra e tratados injustamente. Só queremos nossa terra."

Colaborou AMIR JALAL ZERDOUMI


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