Folha de S. Paulo


Análise: Após vitória de separatistas, qual será o próximo passo de Putin?

Vladimir Putin conseguiu o que desejava. O governo de Kiev pode definir a manobra como "retirada planejada", se isso fizer com que se sinta melhor, mas os espectadores do planeta se unirão ao presidente da Rússia em ver a retirada forçada do Exército ucraniano do polo estratégico de Debaltseve como vitória altamente significativa para os separatistas armados por Moscou.

A questão crítica agora é determinar se isso será suficiente para Putin, ou ele e os rebeldes pressionarão sua vantagem e tentarão ampliar ainda mais o território sob seu controle. A despeito do cessar-fogo do final de semana passado, os combates continuam, ao longo da linha de frente, em torno de Donetsk e do porto de Mariupol, controlado pelo governo, no sul do país.

Com o Exército ucraniano em fuga, o presidente Petro Poroshenko politicamente ferido depois de fazer grandes concessões para conseguir o acordo de paz Minsk 2, na semana passada, e com os aliados ocidentais de Kiev, divididos, reclamando ruidosamente e incertos quanto ao que fazer, Putin pode calcular que é possível seguir adiante até que decida parar.

Os líderes separatistas não fazem segredo de sua ambição de criar uma entidade viável, autocontida, abarcando as regiões de Donetsk, Lugansk e Kharkov, no leste da Ucrânia, e capaz de no futuro se tornar um Estado independente. Moscou pode preferir uma região autônoma ainda parte da Ucrânia mas que faça o que a Rússia deseja - mais um dos chamados "conflitos gelados".

Mas se Putin e os rebeldes continuarem a violar o cessar-fogo ou se passarem dos limites ao jogar suas cartas, eles provavelmente enfrentarão uma escalada, na forma de uma resposta norte-americana muito mais dura.

Barack Obama e a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) evitaram qualquer envolvimento militar até o momento, em parte a pedido de Angela Merkel, a chanceler [primeira-ministra] alemã e principal mediadora do conflito da parte da União Europeia.

Com Kiev reiterando seus apelos por armas e material militar ocidentais e os prepostos de Putin agindo aparentemente sem controle, essa contenção não deve durar muito mais tempo.

John Kerry, o secretário de Estado norte-americano, falou com Moscou ao telefone na quarta-feira, alertando que violações teriam consequências drásticas.

Na terça-feira, o vice-presidente norte-americano Joe Biden avisou Putin abertamente de que ele precisava se controlar, e o governo Obama criticou ferozmente o comportamento russo em uma reunião contenciosa do Conselho de Segurança da ONU.

David Cameron, despertado de seu sono por Washington, inesperadamente interferiu, igualmente. Instou os países europeus a se manterem unidos na oposição a Moscou e a não terem medo de impor sanções econômicas adicionais, e mais dolorosas - o que é basicamente a linha defendida pelos Estados Unidos.

Outros fatores podem alimentar uma escalada. Os Estados Unidos, a Otan e a União Europeia todos condenaram severamente o saque de Debaltseve como uma clara violação do cessar-fogo. Eles têm um crescente problema de credibilidade, e não só junto aos russos.

Se o plano de rota decidido no acordo de paz Minsk 2, na semana passada, deve ter chance real de implementação em longo prazo, eles precisam encontrar um caminho - o que até agora se provou impossível - de deter e punir transgressões sem destruir o processo como um todo.

Não se sabe, tampouco, por quanto tempo Poroshenko conseguirá defender sua posição, internamente. Ele foi forçado a ceder muito nas negociações de Minsk - demais, de acordo com alguns políticos nacionalistas. Agora suas forças sofreram uma derrota desmoralizante. Há quem sugira que ele pode tentar reafirmar sua autoridade impondo a lei marcial.

Semyon Semenchenko, comandante de um batalhão nas forças armadas e legislador ucraniano, acusou o comando militar do país, e por implicação Poroshenko, de trair os interesses da Ucrânia, quanto a Debaltseve.

"Tínhamos forças e meios suficientes. O problema era de comando e coordenação. Não poderiam ter sido piores", ele afirmou em sua página de Facebook.

Enquanto os Estados Unidos e a o Reino Unido parecem estar se preparando para um confronto mais amplo, os europeus ainda esperam desesperadamente que Debaltseve venha a constituir, na prática, o começo do cessar-fogo, e não o seu fim.

Stephane Le Foll, porta-voz do governo francês, disse que a França faria todo o possível para manter vivo o acordo Minsk 2. A esperança dele era a de que os separatistas honrassem o acordo, daqui por diante. Alguns líderes rebeldes em Donetsk indicaram que o farão.

"Continuaremos, sabemos que temos alguns problemas, sabemos que nem tudo foi acertado. Mas entre a situação imediatamente anterior ao acordo de Minsk e a situação atual... houve progresso", disse Le Foll.

O porta-voz de Merkel, Steffen Seibert, adotou linha semelhante. Ele não quis definir se o acordo Minsk 2 estava vivo ou não, mas disse que Berlim acreditava que valesse a pena "continuar trabalhando". A Alemanha continua oposta a fornecer armas a Kiev.

Para esse fim, Merkel e seu principal colaborador, o presidente francês François Hollande, deviam conversar ao telefone com Putin e Poroshenko na noite de quarta-feira. Além de garantir o cessar-fogo, pós-Debaltseve, a expectativa era de que se concentrassem nos próximos estágios programados - a retirada das armas pesadas das duas partes, e o estabelecimento de uma zona desmilitarizada entre os combatentes.

A abordagem pode ser caracterizada como corajosamente persistente - ou como insensatamente ingênua. Putin sabe que os países da União Europeia evitarão um confronto armado a todo custo, e que estão divididos quanto à questão de sanções mais fortes.

Como todos os valentões, ele despreza a fraqueza, e pode ser isso que ele vê nas tentativas franco-alemãs de manter a negociação. Ele pode decidir se contentar com seus ganhos e suspender a campanha. Mas pode se sentir igualmente tentado a forçar a sorte e buscar mais território.

De sua parte, os norte-americanos (e seu porta-voz britânico) estão rapidamente perdendo a paciência. Já que todas as soluções disponíveis são imperfeitas, Merkel e Hollande se veem apanhados entre os dois lados de maneira mais aguda do que nunca. E podem ser as duas únicas pessoas que separam a Europa de uma guerra maior.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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