Folha de S. Paulo


Lealdades tribais dão impulso a esforço jordaniano para libertar piloto

É comum dizer que no reino hashemita da Jordânia, toda política é tribal.

Isso explica em boa medida a reação do país a uma crise de reféns que envolve um piloto da força aérea jordaniana e um jornalista japonês, e inclui uma oferta da Jordânia de libertar uma extremista que está no corredor da morte, e explica também a disposição das autoridades de fingir que não viram quando manifestantes denegriram o rei diante de seu poderoso serviço de inteligência.

Não se trata apenas do fato de que o primeiro-tenente Moaz al-Kasasbeh seja um jovem e bonito piloto de um caça F-16, com presença proeminente na mídia social, e do primeiro membro da coalizão internacional que está bombardeando o Estado Islâmico no Iraque e no Levante (EIIL) a ser capturado pelos extremistas. Ele além disso é membro de uma tribo politicamente influente e parte de uma base crucial de apoio tribal ao rei.

"A estrutura social da Jordânia é mais tribal que institucional", disse no sábado Safi Youssef al-Kasasbeh, o pai do tenente, em um diwan, ou salão social, de Amã onde estava aguardando notícias sobre o destino do filho, cercado por uma multidão sempre mutável de simpatizantes que em determinados momentos chegava às centenas de pessoas.

"A coesão é muito forte, e agora sentimos que cada membro da tribo conta com o apoio de todas as tribos da Jordânia".

A monarquia não só mantém boas relações com as tribos como as incluiu na estrutura do Estado ao priorizar o recrutamento de seus integrantes como membros para as forças armadas e serviços de segurança, dizem analistas.

Isso é um legado do passado da Jordânia, que deixou seus oito milhões de cidadãos divididos entre os "transjordanianos", naturais do país, e os "cisjordanianos", descendentes de palestinos deslocados pela criação de Israel e pelas guerras subsequentes entre os israelenses e os vizinhos árabes da Jordânia.

A maioria dos jordanianos cujas origens estão ao leste do rio Jordão pertencem a uma entre cerca de 12 tribos, grandes ou pequenas, e são vistos como inquestionavelmente leais ao reino.

O clã Kasasbeh é parte da tribo Bararsheh, do sul da Jordânia. Com o desdobramento da crise, os líderes e os notáveis da tribo, sediada na cidade de Karak, correram à capital, Amã, a fim de apoiar a família do tenente Kasasbeh - e para tecer elogios ao piloto capturado.

Além disso, os líderes tribais dos Bararsheh abordaram discretamente o governo e solicitaram que as autoridades ofereçam uma troca de Kasasbeh por Sajida al-Rishawi, mulher condenada por tentativa de atentado suicida que está aguardando execução.

No final do mês passado, os esforços para libertar Kasasbeh se complicaram quando o EIIL subitamente ameaçou dois reféns japoneses, e em seguida divulgou um vídeo que mostrava um deles sendo decapitado. Ainda que os militantes inicialmente tenham pedido resgate, mais tarde mudaram suas exigências, pedindo a troca do segundo refém japonês por Rishawi, a mesma mulher que a tribo esperava trocar pelo piloto.

Quando as autoridades japonesas anunciaram que estão trabalhando com a Jordânia para conseguir a libertação do refém - dias antes de um vídeo que parecia mostrar sua morte, no sábado -, a reação na Jordânia foi furiosa.

Começaram a surgir protestos, especialmente entre os membros da tribo do piloto, e em dado momento da semana passada eles chegaram a se manifestar diante do palácio do rei Abdullah em Amã.

É sinal do tratamento delicado dado às tribos que, embora os manifestantes estivessem gritando que o rei era um covarde comprado pelo dinheiro dos Estados Unidos, os serviços de inteligência e a polícia de choque jordanianos, em geral muito pró-ativos, se abstiveram de intervir.

O rei Abdullah controlou a situação, em lugar disso, convidando o pai, mãe e mulher do piloto a visitar o palácio.

A lealdade tribal deixa para trás até mesmo as opiniões políticas. Mustafa Rawashdeh, legislador que assinou uma petição contrária à adesão da Jordânia à coalizão que combate o EIIL, estava sentado ao lado do pai do piloto no diwan, no sábado, porque é membro da mesma tribo.

Ele alertou publicamente os oposicionistas a não usar o sofrimento do piloto para ganho político. Em dado momento, havia tantos simpatizantes da tribo em Amã que a família teve de erguer uma grande tenda do lado de fora da casa para acomodar os visitantes e a mídia.

O destino do piloto se tornou questão delicada que as autoridades jordanianas mal mencionaram o jornalista japonês Kenji Goto, ainda que o Japão seja um dos grandes doadores de assistência à Jordânia e que representantes do governo japonês tenham visitado Amã buscando cooperação do governo jordaniano para obter sua libertação.

O EIIL por fim decidiu incluir a situação do piloto na equação, afirmando que ele seria executado em companhia de Goto se Rishawi não fosse libertada, de acordo com um vídeo atribuído aos militantes.

O vídeo não disse que o piloto seria libertado - apenas que sua vida seria poupada se Rishawi fosse libertada antes de um prazo que se esgotou na quinta-feira.

As autoridades jordanianas disseram que precisavam de provas de que o piloto estava vivo antes de libertar Rishawi, presa desde 2005 por envolvimento em atentados da organização Al Qaeda no Iraque contra hotéis em Amã. Depois houve silêncio quase completo das duas partes até o sábado, quando surgiu um novo vídeo que parecia mostrar Goto sendo decapitado por um militante.

O destino de Kasasbeh era desconhecido, até a noite de sábado. O vídeo que parecia mostrar a morte de Goto, sábado, não fazia menção ao piloto. Mas muitos jordanianos estão preocupados com a possibilidade de que o motivo para que os militantes não fornecessem prova de que o piloto estava vivo, como solicitaram as autoridades jordaniana, era que já o tivessem executado.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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