Folha de S. Paulo


'Cholets', casas de luxo de indígenas, se transformam em atração na Bolívia

A primeira visão que um viajante tinha ao desembarcar em La Paz foi por muitos anos a mesma, até uma década atrás: os Andes e povoados de casinhas de cor ocre e aspecto humilde. Ali viviam os trabalhadores que migravam das regiões mais empobrecidas do país, em busca de trabalho na capital.

Desde 2006, após a chegada ao governo do líder cocaleiro Evo Morales (que assumiu novo mandato no dia 22), o cenário mudou. Os bons números da economia (5,5% de crescimento do PIB), a redução drástica da pobreza (de 38% a 18%) e planos de assistência social aumentaram o poder de consumo dos setores populares bolivianos.

Agora, em vez de abandonarem os arredores em busca de uma residência de classe média no centro da cidade, os membros de uma "nova classe C", principalmente de origem indígena (aymaras), decidem ficar na periferia e construir um novo tipo de moradia, os "cholets".

Inspirados na tradição tiahuanaca (cultura indígena ancestral do altiplano), os edifícios têm três ou quatro andares. Do lado de fora e de dentro são pintados com cores extravagantes e têm vista para as montanhas através de grandes janelas de vidro.

No primeiro andar fica algum negócio, de venda de acessórios para celular a lojas de alimentos ou ferragens. O segundo é um pomposo salão de festas, com colunas e espelhos ao redor de uma pista de dança ou um pequeno palco. Alugados para eventos, asseguram a renda da família, que por sua vez mora no último andar, numa espécie de tradicional versão das casas do altiplano.

Após a inauguração das linhas de teleférico que ligam La Paz aos arredores de El Alto, no ano passado, os "cholets" [o nome mistura a palavra "chalé" com "cholo", designação pejorativa dos indígenas] viraram também atração turística.

Empresas como a Saraña fazem visitas guiadas pelos principais "cholets" cobrando 300 bolivianos (US$ 43).

A maioria dos "cholets" da região de El Alto foi desenhada pelo arquiteto local Freddy Mamani. Filho de um pedreiro, de tradição indígena, Mamani hoje possui um escritório e desenha edifícios em outras cidades do país. É conhecido por exportar o estilo, também chamado de "psicodélico andino".

Defende que o "cholet" é uma afirmação da identidade cultural da população dos Andes. "As cores são fortes, e assim expomos o nosso caráter, que é condicionado pelo clima daqui, muito duro e com mudanças impossíveis de prever" [em El Alto, a temperatura varia entre -4ºC a 10ºC todo o ano, e há geadas e chuvas constantes].


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