Folha de S. Paulo


Opinião: Syriza é esquerda radical e 'pé no chão' ao mesmo tempo

Chego à Grécia movido pela curiosidade e pelo convite de um amigo para acompanhar de perto as eleições deste domingo (25). Pela primeira vez, a esquerda pode chegar ao poder na Europa Ocidental. Não a social-democracia: a esquerda radical.

Sei que diferenciações como essa são subjetivas. Mas, nesse caso, a definição não é minha: Syriza, nome do partido que lidera a disputa, significa em grego Coalizão da Esquerda Radical.

Foi criado para ser um espaço comum de militância entre pessoas e organizações com trajetórias e visões distintas, mas que compartilham valores anticapitalistas e uma postura, digamos, alternativa. Abriga eurocomunistas, ecologistas, ativistas libertários, sindicalistas e intelectuais. A legenda saltou de pouco mais de 4% nas eleições de 2009 para 26% em 2012 e 34% agora.

O Syriza foi capaz de construir uma marca relevante passando ao largo da publicidade política tradicional e sem a simpatia da imprensa, por quem é repetidamente chamado de populista.

Populista? Bem, nada aqui lembra Perón. Mas talvez a expressão se refira às promessas de Alexis Tsipras, líder do Syriza, todas elas conectadas à catástrofe social que se seguiu ao pacote de reformas do governo recomendado pelo FMI e pelo BCE: restabelecer a energia elétrica em todas as casas onde foi cortada; readmitir os desempregados na seguridade social; suprimir o imposto adicional sobre residências que levou ao confisco de muitas delas.

Temos, então, a esquerda radical com uma agenda "pé no chão". Tocando o coração da classe média na defesa intransigente do direito à propriedade. Direito ameaçado justamente pelos conservadores que sempre levantaram essa bandeira contra a... esquerda radical. Coloquemos, por favor, populismo entre precavidas aspas.

Mas o mais interessante por aqui não é tanto o embate eleitoral. Do outro lado do laboratório de reformas econômicas em que foi transformado o país nos últimos cinco anos, é possível encontrar redes de solidariedade e experiências de empreendedorismo social.

Clínicas como as Kifas, onde médicos dão plantão voluntário e gratuito para atender quem foi excluído do sistema público. Mercearias como a de Petros Rylmon, oferecendo produtos mais baratos por relação direta com os produtores.

São projetos que tateiam novas formas de gestão. Vivem à margem do Estado, das ONGs e do universo privado. Alguns têm notável eficiência, como as Kifas.

O que acontecerá com eles quando -e se- o Estado voltar a funcionar? Desaparecem ou têm potencial inovador para continuar atraindo cidadãos para fora da banalidade da vida privada?

Esse mesmo empirismo das ruas de Atenas é possível perceber no Syriza. Em pouco tempo, deixou a condição de mensageiro para iniciados e se transformou num porta- voz de massas. Deixou de ser uma frente de grupúsculos para se tornar um partido com cabeça, tronco e membros. Seus princípios doutrinários continuam em ebulição, mas apresenta uma agenda tangível ao eleitor.

A esquerda se reinventa na Grécia. Tem prova de fogo pela frente: obter melhores condições de pagamento da dívida para cumprir ao menos em parte as suas promessas. Se fracassar em poucos meses, estará fora de cena. Se tiver sucesso, pode influenciar o rumo dos acontecimentos além das suas fronteiras.

RENATO PEREIRA é antropólogo. Coordenou as campanhas politicas de Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão no Brasil e a de Henrique Capriles na Venezuela.


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