Folha de S. Paulo


Morte de promotor é 'operação contra o governo', diz Cristina Kirchner

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, publicou em seu site uma carta aberta na qual afirma que o promotor Alberto Nisman, encontrado morto no domingo (18), não cometeu suicídio e que a morte faz parte de um plano para desestabilizar seu governo.

Nisman morreu quatro dias depois de denunciar a líder argentina, afirmando que ela encobriu os acusados pelo ataque à Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), que deixou 85 mortos em Buenos Aires em 1994.

Em um dos trechos do documento, a presidente diz que "a denúncia do promotor Nisman nunca foi ela mesma a verdadeira operação contra o governo. Ela vai ser derrubada logo. Nisman não sabia e provavelmente nunca soube. A verdadeira operação contra o governo era a morte do promotor depois de acusar a presidenta, seu chanceler, o secretário-geral da La Cámpora (organização militante kirchnerista) de encobrirem iranianos acusados pelo atentado terrorista da Amia".

Alain Jocard/AFP
A presidente argentina, Cristina Kirchner
A presidente argentina, Cristina Kirchner

No texto, Cristina fala abertamente que seus opositores usaram Nisman e depois o mataram: "Quando a jornalista Sandra Russo analisou o caso no [jornal] 'Página 12", afirmou: 'Quiseram usar Nisman vivo e agora o usam morto', ela se engana. O usaram vivo e depois o necessitavam morto. Triste e terrível assim".

A tese de Cristina é de que Nisman foi assassinado por um grupo de pessoas que o teriam manipulado quando ele elaborava a denúncia. Mas, apesar de atacar indiretamente adversários políticos, a juíza do caso e o grupo de mídia Clarín no seu texto, Cristina não chega a acusar ninguém de estar por trás da morte do promotor.

No entanto, ela aponta uma pessoa que teria ludibriado o promotor Nisman: Antonio Horacio Stiusso, um ex-diretor do setor de inteligência do governo, demitido no fim do ano passado.

Nisman investigou dois homens que acreditava serem espiões ligados à Casa Rosada. Mas o chefe do serviço de inteligência argentino, Oscar Parrilli, publicou uma nota na qual afirmou que os dois nunca trabalharam para o órgão. Um deles foi até mesmo denunciado por se passar por agente.

Cristina diz que quem passou a informação errada a Nisman foi Stiusso. Para corroborar sua tese, a presidente transcreveu um trecho de uma entrevista televisiva em que Nisman elogiava Stiusso e dizia confiar nele.

Stiusso teria conhecimento de que os dois homens investigados por Nisman não eram espiões, porque ele mesmo denunciou um deles como impostor.

Na carta, a presidente diz que a denúncia que o promotor morto apresentou é falsa não só por esse motivo. Na acusação, Nisman cita um suposto acordo entre a Argentina e o Irã para encobrir os suspeitos iranianos do atentado contra a associação israelita.

Segundo o promotor, a Argentina iria solicitar à Interpol para que se suspendesse o pedido de captura de suspeitos iranianos, o que não aconteceu.

Cristina também aponta outro problema na denúncia. Pela acusação de Nisman, o acordo foi firmado para aumentar o comércio entre os países. Mas o comércio com o Irã caiu desde então, disse a líder argentina.

A presidente afirma, no entanto, que não tinha conhecimento das fragilidades que ela mesma aponta nas denúncias antes da morte de Nisman e que só viu a íntegra do documento quando ele foi publicado pela Justiça, na terça (20).

MUDANÇA

Em uma carta publicada anteriormente, a presidente da Argentina tinha dado a entender que o promotor havia se matado. Cristina, agora, se diz convencida de que não foi suicídio.

No novo texto, ela se refere ao anterior: "Fazendo referência à morte, escrevi com sinais de interrogação".

A primeira carta, porém, também tinha o trecho: "O que levou uma pessoa a tomar a terrível decisão de tirar a sua vida?". Além disso, deputados governistas e aliados se referiam ao caso como suicídio, dizendo que a morte tinha sido uma decisão do próprio Nisman.

No novo texto, Cristina lista uma série de perguntas retóricas para dizer que o promotor não tinha motivos para se matar e que os momentos anteriores à morte não indicavam que ele faria isso.

"Hoje não tenho provas, mas tampouco tenho dúvidas [de que foi homicídio]", diz.

Em seguida, diz que o promotor voltou de férias mais cedo porque, em sua cabeça, "era preciso voltar urgentemente ao país para aproveitar a começão internacional provocada pelos atos terroristas que aconteceram na França. O que nunca imaginou é que o tempo não só tinha começado a correr para a 'denúncia do século', mas também para a sua própria vida".

MAIS SUSPEITAS

Entre a série de perguntas retóricas que Cristina levanta para afastar a tese de suicídio, uma questiona por que ele pediria uma arma emprestada quando tinha duas registradas no seu nome.

A arma de onde saiu o disparo que matou Nisman pertence a um colega dele, um técnico de informática que trabalha com o promotor desde 2007, Daniel Lagomarsino.

Cristina sugere que Lagomarsino pode ter um envolvimento com a morte.

A presidente diz que é "muito estranho" que tenha aparecido "um morto por uma arma registrada no nome de outra pessoa e que essa mesma pessoa tenha sido a última que esteve com ele com vida, lhe entregando a arma no mesmo lugar do acontecimento, sua casa".

Ela termina o parágrafo afirmando que, "por isso é mais do que conveniente que se garanta muita proteção ao senhor Daniel Lagomarsino".


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