Folha de S. Paulo


Antes de ataque, 'Charlie Hebdo' não era consenso entre políticos franceses

Após os atentados terroristas na França –entre eles o ataque que deixou 12 mortos na redação do jornal satírico francês "Charlie Hebdo"–, cerca de 3,7 milhões de pessoas foram às ruas em várias cidades do país no domingo (12) para homenagear as vítimas.

A manifestação contou com a presença de mais de 40 chefes de Estado, além de líderes religiosos e de outras organizações supranacionais. Os políticos franceses compareceram de peso ao ato.

Antes, uma campanha cujo slogan é "je suis Charlie" (eu sou Charlie) foi amplamente divulgada e teve grande adesão no país.

Entretanto, o apoio incondicional ao periódico e a defesa da liberdade de expressão nem sempre foi a tônica entre a elite política e intelectual francesa.

A briga do jornal satírico "Charlie Hebdo" com entidades islâmicas não é recente. Ela começou há quase dez anos, quando o semanário reproduziu caricaturas de Maomé que haviam sido originalmente publicadas pelo jornal conservador dinamarquês "Jyllands-Posten", em 2006.

Os desenhos geraram protestos no Oriente Médio, mas o jornal se recusou a parar de publicá-las. Em 2012, outra polêmica se deu quando o periódico publicou cartuns que mostravam Maomé nu.

No dia dos atentados, o advogado do "Charlie Hebdo", Richard Malka, participou da transmissão do jornal francês "Le Grand Journal" e enalteceu " a grande maioria dos franceses" pelo seu apoio.

Entretanto, Malka pontuou que políticos franceses, membros da elite e intelectuais de seu país nem sempre estiveram ao lado da publicação.

"A sociedade francesa sempre nos apoiou", disse. "Mas alguns jornais, membros da elite, intelectuais e sociólogos às vezes preferiram se manter distantes de nós. Sofremos com a falta de solidariedade", completou.
Perguntado sobre o apoio político recebido quando o jornal foi processado pelo Conselho Francês da Fé Muçulmana por em 2006, Malka disse que Jacques Chirac, presidente à época, não defendeu o semanário.

"Nós conquistamos o apoio deles [dos políticos], lutamos com unhas e dentes. Se lembram do Jacques Chirac [nos dizendo] 'não vamos pôr combustível no fogo?'", perguntou.

O atual presidente, François Hollande, apoiou a publicação em 2007, questionando associações muçulmanas que a haviam processado.

"Eu não acho que este caso [o processo] ajudará na causa de vocês", disse Hollande aos inimigos do "Charlie Hebdo" à época.

O ex-presidente Nicolas Sarkozy também defendeu o periódico durante a crise de 2006 após a publicação das caricaturas do Jyllands-Posten. Sarkozy era então candidato à presidência e alegou, por meio de uma carta, preferir "o excesso de caricaturas à falta delas".

Outros membros da elite política francesa, entretanto, nem sempre foram entusiastas da recusa do "Charlie Hebdo" em parar de satirizar Maomé.

Quando das publicações de 2012, que mostravam o profeta nu, Rachida Dati, ministra da Justiça sob Sarkozy, e atualmente membro do Parlamento Europeu, criticou o que considerava ser uma "jogada de marketing na hora errada".

"Eu não acho engraçado. Foi uma boa ideia publicar isto quando todos estão nervosos? Não!", declarou à época.

Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes dos protestos estudantis de 1968 na França e atualmente deputado europeu pelo partido alemão Die Grünen, endossou as críticas feitas por Dati.

Com seu estilo peculiar, chamou os editores do jornal de "idiotas" e "masoquistas".

Em entrevista dada ao jornal "Le Monde" em setembro de 2012, Jean-François Copé, então secretário-geral do UMP (partido de Nicolas Sarkozy, que havia saído da presidência meses antes) e atualmente deputado, defendeu o então primeiro-ministro Jean-Marco Ayrault, que tinha pedido que o "Charlie Hebdo" adotasse um "comportamento responsável".

"A liberdade de expressão é essencial, mas há um contexto de extrema tensão", disse Copé. "Temos de evitar qualquer coisa que possa ser vista como provocação e que possa levar à violência contra os interesses franceses". completou.

Antes dos atentados de quarta-feira, o jornal já havia sido alvo de ataques em novembro de 2011, quando uma bomba incendiária explodiu no prédio da publicação.

À época, havia sido publicada uma caricatura de um muçulmano beijando um cartunista da revista na boca, acompanhada da frase "o amor é mais forte que o ódio".


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