Folha de S. Paulo


'Trabalhadores por conta própria' esperam por mais abertura em Cuba

Com clientes que variam do príncipe Albert de Mônaco ao líder venezuelano Hugo Chávez, morto em 2013, o estilista e filho de cortador de cana Emiliano Nelson superou a infância pobre para se tornar o principal criador cubano de "guayaberas", as camisas sociais do Caribe.

Mas as rígidas regras para o setor privado limitam o negócio e o obrigam a ser criativo na operação comercial e no desenho das roupas.

"Fizeram as reformas econômicas, mas não são sentidas. Falta criar condições", diz Nelson, 53, em entrevista na modesta loja-oficina de costura que ocupa parte da sala de sua casa, no centro histórico de Havana.

Na parede do negócio, aberto em 2011, fotos ao lado de clientes famosos, como o cantor Sting.

Iniciada em 2008, a flexibilização do regime comunista cubano ainda engatinha na maioria dos setores da economia. Para "trabalhadores por conta própria" como Nelson –o termo empresário ainda é um tabu–, a abertura os deixou numa espécie de limbo: já não precisam trabalhar clandestinamente, mas ainda não dispõem de um status legal definido.

No caso da grife E'Nelson, as limitações incluem dificuldades para importar máquinas e matéria-prima, ausência de crédito, proibição de criar uma empresa e falta de liberdade para comercializar.

Nelson conta que só conseguiu uma máquina semi-industrial graças ao ator de ação Steven Seagal, que a comprou nos EUA e, por causa do bloqueio, a enviou ao Japão, de onde um amigo em comum a trouxe para Cuba. "No mundo, a tecnologia está voando, e aqui as máquinas de costura são de 1800."

O acesso a tecidos de qualidade é outra aventura. O estilista, que tem três funcionários e produz cerca de cem peças ao mês, depende de amigos que o abastecem com pequenas quantidades compradas no exterior –um dos "fornecedores" é um estudante brasileiro de medicina.

"Se estivesse no Equador, na Jamaica, eu me comunicaria com alguém no Brasil e diria: 'Preciso de um tecido assim e assim'. Mas aqui não posso fazer isso. Primeiro, porque não posso enviar dinheiro para o exterior. E, mesmo se tivesse dinheiro para pagar 500 metros, eles apreenderiam; posso entrar com apenas 50 metros", diz.

Outro grande obstáculo é o financiamento. Os bancos estatais só oferecem microcréditos em moeda local, não conversível. O estilista diz que há estrangeiros interessados em investir, mas, como ele não é pessoa jurídica, não há como fazer oficialmente.

Embora o capital de fora seja visível no setor turístico, em outras áreas está apenas engatinhando: nenhum acordo foi fechado até agora dentro do marco da nova lei de investimentos estrangeiros, aprovada pela Assembleia de Cuba há nove meses.

Enfim, há a comercialização. Vendas em grande quantidade só podem ser feitas por meio do Estado. Na loja, o preço mínimo da camisa feita a mão é US$ 110 –inacessível para muitos cubanos, com salário médio de US$ 20.

Fabiano Maisonnave/Folhapress
Emiliano Nelson, que faz as 'guayaberas' mais famosas de Cuba, em sua casa-oficina, em Havana.
Emiliano Nelson, que faz as 'guayaberas' mais famosas de Cuba, em sua casa-oficina, em Havana.

CASAS PARTICULARES

Um negócio privado mais consolidado na ilha são as "casas particulares", famílias que alugam quartos para turistas estrangeiros. O modelo começou em meados dos anos 1990, quando Cuba atravessava o "período especial", eufemismo usado para descrever a profunda crise econômica pós-URSS.

Uma das pioneiras é Mercedes González, 60. Cobrando diária de US$ 30, ela aluga dois quartos de seu amplo apartamento, construído e adquirido pela família do marido antes da Revolução de 1959 e decorado com sóbrios móveis de madeira antigos.

Para quem espera paredes em ruínas com o retrato do Che, o quarto é uma decepção: há ar condicionado, banheiro privativo, frigobar e até um cofre no armário. O único indício da Cuba comunista é a imagem ruim do canal estatal na TV antiga.

Formada em ciência da informação, González abriu o negócio em 1994. Após dois anos, deixou o trabalho de diretora do Centro de Criação de Base de Dados da Pesquisa Científica de Cuba. Hoje, tem uma funcionária e o marido leciona na Universidade de Havana. O filho faz mestrado no exterior.

Assim como o camiseiro, González demonstra otimismo moderado com a reaproximação com os EUA, embora nenhum tenha se arriscado a fazer previsões sobre o impacto em Cuba das medidas anunciadas.

Menos ambiciosa sobre seu negócio, ela diz apenas que quer ter internet em casa, o que ajudaria nas reservas. O resto, diz, funciona bem.

"Ao governo a casa particular pareceu uma boa ideia. Este tipo de atividade jamais concorrerá com o Estado."


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