Folha de S. Paulo


Região da Indonésia devastada por tsunami atrai turistas

Um barco de dez metros permanece encravado desde 2004 entre as modestas casas de pescadores do vilarejo de Lampulo, na província indonésia de Aceh.

Carregado pelo tsunami que devastou a região dez anos atrás, ele encalhou em cima de um telhado e nunca mais zarpou. Virou um símbolo do desastre e uma das principais atrações do "turismo do tsunami" que o governo tenta promover.

Placas espalhadas pela província apontam a direção de outras atrações, como o imponente Museu do Tsunami, uma barca de 2.600 toneladas arrastada por 5 km e uma mesquita que ficou "milagrosamente" de pé, em meio a destruição ao seu redor.

Na entrada do museu, um corredor escuro e estreito, cercado de paredes de água, simula o som da tragédia e o pânico causado pelo tsunami.

Construído em formato de barco, o museu também serve como centro educacional e local de refúgio em caso de um novo desastre: sua estrutura, montada sobre pilastras, foi projetada para ser à prova de tsunami.

A potência das águas que arrasaram Aceh está documentada em fotos e maquetes, nas quais os moradores parecem minúsculos diante de uma onda de proporções bíblicas.

Hotli Simanjuntak/EFE
Visitantes fotografam nomes de vítimas do tsunami de 2004 em museu dedicado à tragédia em Aceh, na Indonésia
Visitantes fotografam nomes de vítimas do tsunami de 2004 em museu dedicado à tragédia em Aceh

Um relógio de pêndulo achado nos destroços de uma escola tem os ponteiros parados às 8h16, hora em que a onda bateu. Só em Aceh, o tsunami matou 200 mil pessoas, diz a guia a um grupo de escolares uniformizados.

O museu serve para lembrar aos turistas a magnitude da tragédia e o sucesso da reconstrução. Já para a população local, o mais difícil é esquecer.

O aposentado Syamsuddin Mahmud, 68, mora ao lado do barco que encalhou entre as casas de Lampulo. Ele, a mulher e os três filhos estavam entre as 59 pessoas salvas pelo barco.

No dia do tsunami, ele se preparava para ir ao mercado quando ocorreu o terremoto. Em seguida, as águas começaram a subir.

Em menos de 20 minutos, Syamsuddin mal conseguia ficar com a cabeça fora d'água, mesmo estando no segundo andar de casa. Decidiu subir no telhado. Foi quando viu o barco.

"Por algum motivo, ele foi parar logo na minha porta. Foi graça de Deus", diz.

A salvo dentro do barco encalhado no telhado do vizinho, Syamsuddin viu muita gente sendo carregada pela brutal correnteza do tsunami. Chegou a puxar uma menina de uns oito anos para dentro, mas ela morreu em seus braços.

Hoje ele vê de sua varanda a construção de uma rampa de concreto para ajudar os turistas a entrar no barco. Operários dão uma nova mão de tinta no casco.

"Acho bom que pessoas de outros países conheçam de perto a história do tsunami", diz o aposentado. "Antes do desastre, Aceh estava fechada para o mundo por causa da guerra civil."

MAL-ESTAR

Embora ninguém negue a necessidade de estimular a economia de uma das regiões mais pobres do país, o turismo-catástrofe causa mal-estar entre muita gente.

O escritor Azhari, 33, que perdeu mais de cem parentes no desastre, é contra a comercialização da tragédia. "Acho um desrespeito à memória das vítimas", diz.

Um dos principais monumentos do turismo-catástrofe em Aceh é a barca de geração de energia PLTD Apung. Pesando 2.600 toneladas, ela ficava ancorada no porto e foi arrastada por 5 km, até encalhar num bairro da cidade.

As amigas indonésias Darlini, 32, e Sarmine, 25, viajaram sete horas de seu vilarejo até Aceh para fazer o circuito do tsunami. Muçulmanas devotas, primeiro visitaram um cemitério onde acreditam estar sepultado um famoso ulemá (líder islâmico). Depois foram ver de perto o PLTD Apung.

Se um barco desse tamanho foi carregado por 5 km, imagine o que a onda fez com as pessoas, comentavam entre si. "É a força de Deus", concluiu Darlini.


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