Folha de S. Paulo


Conservadores aumentam tom de crítica ao papa Francisco

"'O papa Francisco diz que gosta de fazer bagunça'. Bem, missão cumprida", escreveu em seu blog o bispo americano Thomas Tobin, de Providence (Rhode Island), ao resumir, do seu ponto de vista, o resultado das discussões promovidas pelo pontífice sobre temas polêmicos.

Nos últimos tempos, antes mesmo do acordo EUA-Cuba mediado pelo Vaticano, manifestações como as de Tobin tornam-se cada vez mais comuns na hierarquia católica.

A maioria dos críticos ainda procura poupar a pessoa do papa, dizendo que a "bagunça" teria mais a ver com interpretações distorcidas das falas de Francisco do que com seu magistério. Mas tudo indica que "a fase de lua de mel terminou", como diz o vaticanista John Allen Jr.

"Francisco mudou um pouco o lugar das forças no interior da igreja", diz Rodrigo Coppe Caldeira, especialista da PUC-MG. "É difícil saber até que ponto as críticas se fundam em interesses como cargos ou são feitas por questões teológicas e morais."

VIRADA NO SÍNODO

As críticas cresceram em volume e veemência após o Sínodo dos Bispos, "assembleia parlamentar" católica que se reuniu em outubro.

O sínodo visa debater mudanças envolvendo estruturas familiares, como a questão dos católicos divorciados, dos que vivem em uniões sem casamento religioso ou dos fiéis que são homossexuais.

Num texto preliminar relatando os debates dos bispos, houve menções surpreendentes à necessidade de acolher os católicos gays e aos aspectos positivos das uniões não abençoadas pela igreja.

Imediatamente, porém, a reação de prelados mais conservadores, em especial os dos EUA e da África, levou à diluição desse conteúdo mais ousado, e mesmo declarações mais tímidas sobre os temas não foram aprovadas por dois terços dos bispos presentes.

Logo depois, o arcebispo Charles Chaput, da Filadélfia, afirmou que "a confusão é do Demônio" ""depois, ressaltou que não se referia a Francisco, mas à maneira como o sínodo era conduzido.

E outro clérigo dos EUA, o cardeal Raymond Burke, chefe da Signatura Apostólica (Suprema Corte do Vaticano), declarou em entrevista que a igreja parecia "um barco sem leme" na esteira do sínodo.

Por ordem de Francisco, Burke deixou o cargo no Supremo para se tornar patrono da Ordem de Malta, responsável por trabalhos sociais.

Trata-se de um papel puramente cerimonial, e muitos analistas interpretam a medida como um golpe para a ala mais conservadora, embora a saída de Burke já estivesse decidida antes.

LINGUAGEM OUSADA

Prelados mais próximos a Francisco, porém, também sofreram reveses. Um dos coordenadores do sínodo, o italiano Bruno Forte, foi derrotado numa eleição da conferência episcopal italiana. Coincidência ou não, Forte foi o responsável pela linguagem ousada sobre homossexualidade no texto preliminar do sínodo.

Por enquanto, nada disso chega perto de prefigurar um cisma conservador. Caldeira lembra que nenhum papa das últimas décadas ficou imune a críticas. Para ele, os acenos de abertura dificilmente culminarão em ruptura drástica.


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