Folha de S. Paulo


Análise: Americanos temiam potencial desestabilizador dos cubanos

"Cuba é o maior país do planeta", dizia uma velha piada dos tempos da Guerra Fria, lá pelos anos 1980: "Sua população está nos EUA, seu governo e seu tesouro estão na União Soviética e seu cemitério está na África".

A piada ironizava a fuga de cubanos do seu suposto paraíso socialista para o rico vizinho capitalista; a dependência do país das exportações de petróleo e manufaturas soviéticas a preços baixos e da compra do açúcar cubano pela URSS a preços acima do mercado mundial; e o fato de muitos soldados cubanos terem morrido em intervenções militares na África.

Cuba é, contudo, um país pequeno e pobre; como foi possível ter tido tanta influência na política externa da maior potência mundial? O fato é que os EUA temiam Cuba, notadamente seu potencial de desestabilizar governos de países aliados fomentando revoluções socialistas.

Hoje se vê que o medo americano era muito exagerado. Mas não parecia assim para os protagonistas do passado recente. A história é feita de fatos, mas também caminha com base na avaliação desses fatos no cotidiano dos seus atores. Cuba sempre foi um "bicho-papão" para os EUA.

Deixando de lado o exagero de todo humor, ao menos uma coisa é discutível na piada acima: até que ponto os soviéticos mandavam na diplomacia cubana, especialmente nas tentativas de promover revoluções comunistas na América Latina e África? O ditador Fidel Castro era mero teleguiado de Moscou?

"Castro e seu assessor Che Guevara divulgaram a ideia de que uma revolução cubana de estilo rural poderia ser facilmente exportada. Isso não era totalmente popular em Moscou, ainda nervosa depois da crise dos mísseis de Cuba, mas Cuba não era bem um satélite", escreveu o historiador Norman Friedman.

Castro e Che começaram apoiando guerrilhas de esquerda na América Latina –entre os primeiros alvos malsucedidos estavam Colômbia e Venezuela– e "movimentos de libertação nacional" em colônias europeias na África. Os cubanos enviavam instrutores militares, armas, médicos e ajuda humanitária.

Era um modo indireto de atacar o poderio do Ocidente capitalista e especificamente os interesses globais dos EUA.

Lembrando o apoio que os americanos deram ao ditador cubano Fulgencio Batista, por ele derrotado na sua "revolução", Castro escreveu em 1958: "Os americanos vão pagar caro pelo que estão fazendo. Quando esta guerra acabar, iniciarei uma muito maior e mais longa: a guerra que vou lutar contra eles", cita o historiador Piero Gleijeses.

Enquanto Kennedy promovia a subversão em Cuba –como a invasão da baía dos Porcos por exilados cubanos em 1961–, Castro fazia o mesmo no resto da América Latina.

Uma força militar cubana de cerca de cem homens liderada por Che Guevara falhou em intervir no ex-Congo Belga (hoje República Democrática do Congo), em 1964-1965. Em 1967, à frente de uma força ainda menor, Guevara foi morto pelo Exército da Bolívia ao tentar dar início a um "foco"local de guerrilha.

Os Andes, a grande cordilheira sul-americana, não chegaram a ser a versão continental da Sierra Maestra cubana. Mas na África, especialmente em Angola, os cubanos tiveram mais sucesso. Em 1988, ainda lutavam ali contra a guerrilha antimarxista apoiada por EUA e África do Sul.

O Ocidente nunca esteve à vontade para apoiar a África do Sul da era do apartheid na luta anticomunista. Mesmo a ditadura brasileira, em 1975, recusou o recrutamento de ex-soldados como mercenários para lutar contra cubanos e angolanos. Isso facilitou muito a vida dos cubanos –além da copiosa ajuda soviética.

"Os soviéticos mantinham em Angola uma força de 60 mil cubanos a de 6.000 milhas tanto da URSS como de Cuba. Os meios envolviam uma grande frota mercante e aviões de transporte de longo alcance", diz Friedman. O "bicho-papão" tinha dentes.


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